Começa-se a apreciar a viagem quando se começa a reparar mais nas semelhanças do que nas diferenças
sábado, 4 de dezembro de 2004
quinta-feira, 18 de novembro de 2004
4 meses!
Eu tenho mais sorte do que ele, eu daqui a 2 semanas estarei na Tuga! Aeroporto da Portela, dia 3/12 às 19:45, vinda de Luanda!
Devo parecer ansiosa por chegar. Estou cheia de saudades de toda a gente, da comida, do mar, da minha casinha, de tomar banho descalça, de ter luz eléctrica todo o dia, de outra roupa que não as 8 mudas que trouxe (que estão todas rotas porque não resistem à agressividade do tanque), enfim… de um pouco de conforto.
Ser tuga
O fim do Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos (marca registada)
segunda-feira, 1 de novembro de 2004
Primeira passeata
Cheguei ao rio e pensei porque raio é que havia de me ficar por ali se ainda era de manhã. Então decidi ir à Camera, uma missão no meio do mato que se vê do Chinjenje, lá no alto, depois de e atravessar o rio. Claro que tinha o problema de ser a subir e de serem uns 8 km até lá, mas porque não? Eu até tinha trazido um pacote de bolachas e ainda dava para ir almoçar a casa! Lá fui andando.
Estranhamente fui encontrando pessoas simpáticas pelo caminho. Não sei se já perceberam que em geral as pessoas aqui não são nada simpáticas e são imensamente desconfiadas. Faço ideia do que pensavam: “o que andará esta cachindeli a fazer aqui?” Lá fui andando até que cheguei à missão 2 horas e meia depois de ter saído de casa. Assim que cheguei, ficou tudo muito surpreendido por lá. Um Sr., que mais tarde se apresentou como Sr. Miguel, dá-me as boas vindas aos terrenos da missão e fica extraordinariamente surpreendido por me ver chegar a pé. Disse para eu visitar à minha vontade.
A missão está destruída, como tudo nesta terra. Mas a igreja ainda se mantém mais ou menos, porque é a única coisa que tem telhado. Fiquei praí 1 hora na torre da igreja, mesmo ao pé dos sinos, de onde se tinha uma vista fantástica. Via-se o Chinjenje, o Ukuma, e vim a saber depois que até se vê a Ganda, mas eu como sou tão pitosga e não levei óculos nem vi. Também estava ligeiramente enevoado, talvez não se visse realmente.
Desci da torre e era para me ir embora. O Sr. Miguel disse que um dia tinha que voltar com mais calma, fazer um piquenique e subir ao alto de um rochedo perto de lá, de onde se teria uma vista ainda mais fantástica. Perguntei-lhe quanto tempo se demorava e se tinha caminho, ele respondeu que se demorava meia hora e que tinha caminho, que não tinha nada que enganar. Decidi ir.
Ele arranjou-me dois miúdos para irem comigo, não fosse eu me perder, e para me levarem a um reservatório de água que havia lá no alto que antigamente servia para armazenar água que depois caía cá em baixo numa turbina para fazer energia 24 horas por dia para o hospital que lá existia. Já estão a imaginar como fiquei encantada ainda antes de ver! Lá fui eu com os miúdos. Foi muito fixe. A vista de lá de cima era muito linda.
Mesmo assim não subi tudo porque os miúdos não sabiam mais o caminho, o que quer dizer que não foi desta que vi, pelo menos de longe o ponto mais alto de Angola, que é praí a uns 30 km daqui em linha recta. Mas de qualquer maneira subi aos 1750 metros desde os 1250 metros do rio Cuiva e desde os 1400 metros da missão, nada mau. O que eu queria mesmo era os 2600 do Morro Moco, mas não quero ir sozinha! Cláudia, vem cá no fim de semana que vem (feirado dia 11, quinta!) e vamos lá! Se já fizemos 40 km num dia (Tchivinguiro diz-te alguma coisa?), podemos perfeitamente fazer uns 30 em dois dias! Claro que o convite é extensível aos restantes elementos do clube de aventura, só que aos outros é um bocado mais difícil virem até cá!
Voltei de lá de cima com os miúdos, deixei-os na missão, prometi voltar ao Sr. Miguel e regressei. Claro que já eram 15:00 e os meus queridos colegas a esta hora já estariam preocupadíssimos. Mas o Sr. Miguel, vendo que chegou uma bicicleta do Chinjenje e que ia regressar, muito previdente, informou o Sr. da bicicleta que tinha visitas na missão. Não era difícil perceber quem eu era, uma vez que não há mais brancos no Chinjenje! E disse-me para eu ir com calma, que nesta altura já todo o Chinjenje sabia onde eu estava.
Eu é que não podia ir com muita calma porque estava mesmo a ver a carga de água que ia apanhar… E apanhei mesmo. Granizo e chuva durante o tempo suficiente para nem as cuecas escaparem (Cláudia, Rita, isto lembra-vos algo?). Chovia tanto que me fez estugar o passo de tal maneira que em vez das 2 horas e meia da ida, fiz o caminho em hora e meia (também era a maior parte do caminho a descer até ao Cuiva!). O pior é que aqui depois da chuva não fica aquele calorzinho do deserto, fica um frio do caraças e com a roupa toda colada não é muito agradável. Estavam praí uns 12 graus ou menos, mas com vento é mesmo desagradável!
Lá cheguei ao Chinjenje. E não é que os meus colegas não sabiam de mim? A sorte é que pensaram que eu tivesse apanhado alguma boleia para o Ukuma e não ficaram muito ralados! De tal maneira que até comeram o meu almoço, o que quer dizer que tive que me contentar com fruta e pão! A seguir fiz a janta, o que foi uma grande alegria porque aqui raramente tive oportunidade de me chegar à cozinha. Era feriado, demos folga à cozinheira. Por mim até podíamos dar todos os dias, detesto a comida dela e estou farta de comer sempre carapau frito com arroz e salada de tomate! E eu que sempre a minha vida toda comi nas cantinas, até na do Técnico, que agora não sei como é mas já foi mmuuiittoo má, chego à conclusão que, tanto no Huambo como no Chinjenje, as nossas cozinheiras são ainda piores! Vou sair daqui com guelras de carapau, na certa! Ai que saudades da comida das Donas Teresas do Lubango!
E pronto, assim acabou o dia de ontem, que foi de certeza o dia mais fixe e de mais passeio que tive desde que cá estou. Quem me dera companhia para fazer isto mais vezes e ainda ter alguém com quem ir a tagarelar pelo caminho… Mas o que vale é que eu também não em atrapalho sozinha. Não fosse o medo de me meter por caminhos desconhecidos por causa das minas, iam ver! Só que aqui não dá para nos perdermos, nem atalhar pelo mato. Até as estradas são perigosas! Eu só fui à missão porque sabia que iam lá carros, se fosse atalho não sei se iria tão alegremente!
sábado, 2 de outubro de 2004
Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos (marca registada)
Comecei o curso com uma avaliação prévia de conhecimentos e expectativas. Os conhecimentos eram apenas escrever números por extenso, fazer algumas contas muito simples de somar, subtrair e multiplicar, algumas medições de objectos com fita métrica, calcular áreas e volumes. Dar-me-ia por muito feliz que todos soubessem fazer aquilo. Pensei que seria muito fácil, mostrei aos amigos expatriados o enunciado e eles acharam que era ofensivo de tão fácil que era.
Das 8 pessoas que participaram, ninguém foi para além das contas de somar e subtrair. Inclusivamente houve pessoas que não sabiam ler nem escrever nem fazer contas. E que mesmo assim denotaram uma imaginação ímpar, ao tentarem copiar sem saber ler ou escrever! Alguém acredita! Acabei por ter que seleccionar apenas 4 pessoas que tinham a 4ª classe do tempo colonial e foram-me impostas mais 3, com a 8ª classe deste tempo posteriormente a isso. Queria só salientar que as pessoas não são burras, só que nunca foram à escola nem nunca saíram do Chinjenje, onde repito, não há rádio, televisão, etc. Estas pessoas, apesar dos seus 25 ou 30 anos, têm o entendimento do mundo de uma criança de 4 anos, ou menor ainda. As pessoas que ainda andaram na escola no tempo colonial, que já têm 40 e tal anos, que já andaram por outras terras, algumas por outros países, são completamente diferentes, mas também tiveram outras oportunidades na vida para além de terem que sobreviver às bombas.
Destas pessoas sairá uma que ficará com o grande tacho de trabalhar na administração municipal, por isso vejam bem a responsabilidade que a administração municipal põe nas minhas mãos!
O curso está a correr bem. Os primeiros dias foram giríssimos! Mesmo sem grandes recursos pedagógicos acho que eles evoluem a olhos vistos, o que é muito bom. Ainda só andamos nas revisões de matemática e nas revisões de geografia, mas tem sido bem engraçado por pessoas com a 4ª classe a fazer coisas do 8º ano em 4 horas por dia.
Agradeço a todos os que me perguntaram se eu precisava de algumas coisas para a formação. Não é fácil mandar coisas para cá, isto é mesmo o fim do mundo e as coisas chegariam quando eu já estivesse a ir embora, se chegassem. Cá me tenho que contentar com um quadro, giz, folhas brancas, lápis de carvão, o Atlas Geográfico de Angola, esse grande livro que toda a gente adora e que até é baratinho (2 euros) e alguns objectos tirados do lixo, como rolos de papel higiénico acabados, latas de azeite (sim, aqui o azeite vende-se em latas e é caríssimo!) e coisas afins! Tem sido divertido. Estou prestes a descobrir a minha nova vocação: professora!
Agora até à noite e aos fins de semana trabalho, aproveitando quando há energia para preparar as aulas dos dias seguintes, escrevendo textos e inventando exercícios. Já que não há nenhum livro pelo qual me possa guiar, escrevo o meu próprio livro, a que posso dar o nome de CGSAAPT - Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos, este trocadilho apenas válido para quem passou uma noite a rir à parva algures a 7000 km daqui há quase 2 anos!
Tchindjenje versus Chinjenje
As armas e os barões assinalados
Eu ouço cada coisa aqui que até me custa a perceber. Mas o que mais custa é a ouvir que no tempo dos portugueses é que era bom, que não conseguiram fazer nada com a independência e especialmente culpar os portugueses por terem abandonado isto à sua sorte. Aqui ninguém percebe, e eu também nunca me tinha apercebido, que Portugal (a metrópole) também queria a independência (do regime que se vivia na altura). E conseguiu, felizmente. Mas foi a custo que se viveram os anos 80.
A grande diferença é que nenhum país estava interessado em controlar Portugal. Portugal não tem recursos. E aqui a guerra só foi incitada porque as duas grandes potências na altura estavam altamente interessadas nisto: EUA e Rússia. Se todos os países tivessem deixado Angola ao deus dará, como deixaram Portugal, a guerra não teria acontecido e este país não estava como está.
Mas não interessa lamentar o que não se fez ou o que se poderia ter feito. Eu pessoalmente nem tenho a consciência pesada, nem tinha nascido! E Angola agora só vai lá quando as pessoas que assistiram a tudo isto morrerem, para que a história seja contada de um modo não ressentido. Refiro-me a Angola, mas poderia referir-me apenas a alguns reinos, em especial ao território da etnia dos Ovimbundos, o pessoal do Huambo, Benguela, Bié. Os outros reinos andam para a frente, apesar das dificuldades, mas não passaram pelo mesmo que aqui se passou. Foi não só uma sorte, mas também um savoir faire.
Enfim, eu nunca compreenderia porque é que há guerras tão bem se não estivesse aqui a passar pela vida dois anos depois dos últimos bombardeamentos. Se cá tivesse estado no tempo de guerra, a perspectiva seria completamente diferente. Assim até posso contar estas histórias sem tomar o partido de nenhum partido político ou sem nunca me ter preocupado em sobreviver.
É uma pena que pessoas que são capazes de ter orgasmos a falar sobre armas e aviões (e eu própria, que já um dia achei que queria ser piloto, eventualmente militar), não tenham a oportunidade de viver de mais de perto a história de uma guerra qualquer, porque quando esta história puder passar alegremente no Canal História, já ninguém se vai lembrar de como era a vida das pessoas durante esse tempo nem qual era realmente o interesse dessa guerra. E a história vai ser contada pelos vencedores, porque os vencidos morreram.
A vida melhora ou uma pessoa habitua-se?
8 horas de viagem todos os fins de semana
trabalhar todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos
não ter carro, nem para trabalhar nem para me deslocar quando tal me foi prometido
trabalhar numa organização completamente desorganizada que ontem finalmente acordou para a necessidade de organização ou morte lenta e dolorosa
não ter electricidade
ter um quartinho interior, que serve também de escritório e sala de reuniões, quando me tinham prometido um palácio
ter que dar os bons dias de pijama a 50 trabalhadores no meu quintal quando vou à casa de banho de manhã
viver com o mau humor constante que o mephaquin ajuda a potenciar
gerir a economia doméstica
viver numa casa perfeitamente nojenta, a comer comida preparada de modo nojento, a não escolher a comida que como
dormir horas ímpares
acordar com o Henriques a gritar pelo Adelino
aturar o péssimo humor de fim de semana de todos os meus coleguinhas que vivem em casas, não em palhotas como eu
não conseguir fazer nada de jeito no fim de semana para além de ir à net ou sair à noite e dar em alcoólica como o resto do pessoal expatriado (já prometi não beber mais!)
As condições em que eu vivo são 300 vezes piores que as que alguma vez vivi, mesmo apesar de já ter que ter carregado muita água à cabeça quando morava numa aldeia chamada Campizes, perto de Coimbra até aos 7 anos. Imagino agora como os meus pais não se devem te sentido por terem que ter saído de uma casa mais ou menos, em Almada e pôr a família toda a viver numa casinha modesta de aldeia sem água e a por a filha a estudar numa escola primária com 9 alunos de todas as classes ao mesmo tempo.
quarta-feira, 22 de setembro de 2004
Mais vale apanhar gravidez que apanhar doença!
Mas já chega de divagações acerca de filhos, que pode ser que estas coisas ainda se peguem só de falarmos delas! Só mais uma frase de uma miúda de 14 anos, grávida: “Mais vale apanhar gravidez do que apanhar doença!” Genial, não é?
Obrigada pela solidariedade!
Para melhor vos explicar como as pessoas normais vivem aqui no Huambo (não como eu, obviamente, que ganho balúrdios e pelo menos, apesar de receber em Portugal e não o poder levantar aqui tive a oportunidade de trazer quanto quis) e se quiserem relembrar esses longínquos anos 80 onde não havia muita abundância de bens supérfluos para a comum das famílias, posso dar alguns exemplos de coisas que nessa altura eram um luxo, mas que, quem tinha dinheiro, como é agora o meu caso no Huambo e não era o caso da minha família na altura, podia comprar:
-era um luxo usar sabonete, usava-se sabão azul;
-era um luxo usar amaciador para o cabelo, doía a pentear;
-era um luxo comer iogurtes ou queijo ou gelados ou chocolate para o leite ou beber sumos ou refrigerantes, ou comer chocolates, eram muito caros;
-era um luxo ter água canalizada em casa, eu não tinha na casa onde vivi até aos 7 anos numa aldeia perto de Coimbra, ia buscá-la à fonte.
E alguns exemplos de como aqui se vive muito melhor no Huambo do que em Portugal nos anos 80:
-era um luxo ter televisão a cores, aqui toda a gente tem (na cidade, claro, não no mato!) mesmo que precise de comprar um gerador a diesel para a ligar;
-era um luxo ter telefone em casa, agora há muita gente com telemóveis, mesmo que tenham que ir ao café pedir para carregar a bateria…
A vida no mato é que é bem mais dura, mas o pessoal sempre viveu mal, isto não é nenhuma novidade para a civilização!
domingo, 19 de setembro de 2004
Muito mais acerca de matemática e conhecimento geral do mundo dos autóctones
Bom, inacreditável não é, uma vez que este pessoal nos últimos anos viveu a fugir das bombas e teve passagens administrativas na escola, mas de qualquer maneira, é praticamente impossível explicar a quem quer que seja como se faz qualquer tipo de trabalho. É que nem televisão têm! Eu, que não vejo televisão, começo a perceber a importância que a televisão teve na minha vida, uma coisa que nunca me tinha passado pela cabeça até ter conhecido um sítio onde para além de não haver televisão não há mais nada! Nem escola, nem livros, nem mapas, nem material escolar. Os professores sabem tanto como os alunos, isto é, nada… Porquê eu, a fazer um sistema de abastecimento de água com tantas facilidades como os contadores de água, para pessoas que não sabem o que é um número? Meto-me em cada uma!
A resolução para este problema vai começar a ser eu começar a dar aulas de generalidades. Ainda não sei como, mas provavelmente no pátio da nossa casa, com cadernos comprados por mim, lápis comprados por mim e um quadro feito praí com um pedaço de madeira, não sei. Alguém tem alguma sugestão minimamente pedagógica de por onde começar? Ai a falta que me faz ser professora! E ter sido explicadora de matemática e física do 12º ano não ajuda nada! Os meus “alunos” eram bons demais!
Estou a pensar começar por umas aulas de unidades de medida, porque é que elas existem, para quê, qual é a necessidade… Depois, umas aulas de cartografia, escalas, para que servem, etc. E depois não sei… É um tipo de trabalho para que não me sinto muito preparada, mas lá vai ter que ser… Aceitam-se sugestões!
O PAM
Apesar do convívio muito mais fácil com o pessoal expatriado, esta semana tive uma conversa completamente surreal com um americano, responsável máximo do WFP (Programa Alimentar Mundial). Conheci-o este fim de semana com a conversa do costume,
(à lá José Saramago)
Olá, como te chamas, O meu nome é tal, E o teu, Trabalhas onde, Em tal parte, E tu, Eu trabalho numa aldeia chamada Tchindjenje, a 100 km daqui, mas venho passar o fim de semana ao Huambo, Ai sim, mas porquê,
(E a partir daqui é que começou o surrealismo)
Porque lá não há nada, especialmente porque não há nada para comer, preciso de vir comprar comida e como não há luz todo o dia, não há comida que aguente no frigorífico, blábláblá, Mas tem que haver comida, nós distribuímos,
(nota para os mais distraídos, o Programa Alimentar Mundial é responsável pela distribuição de comida às populações em situação de emergência, como seja os últimos anos de guerra aqui em Angola. Normalmente quando as situações passam de emergência a desenvolvimento, o PAM deixa de distribuir gradualmente comida e outros programas começam a incentivar o cultivo, o comércio, etc, logo o PAM não vai durar muito mais tempo cá, porque Angola já não se encontra em situação de emergência. No entanto, mesmo durante a distribuição do PAM, apenas as famílias ou as localidades mais fragilizadas recebem alimentos, normalmente para fazer face a casos severos de subnutrição, normalmente em situações, como o Tchindjenje é um caso, em que cultivar é complicado porque não há segurança nos terrenos de cultivo por causa das minas. Para além de que o PAM só distribui milho, óleo, açúcar e penso que mais nada)
(continuando com a história surreal)
Mas eu não sou um caso severo de subnutrição, com que lata é que vou ao PAM buscar comida que faz falta a outras pessoas, Então se precisares de alguma coisa, posso-te mandar pelo camião do PAM, mandas-me só um e-mail, Mas lá não há e-mail, Como não há, não tens Internet, Não, claro que não, nem há luz, Então telefona-me, Mas será que não percebes que também não há telefone, Como não há telefone, o que é que fazes afinal, sem net nem telefone, vês televisão, Também não há televisão nem rádio, Porquê, não há cabo lá, Cabo, mas aqui não há tv por cabo, Mas como, claro que há, Claro que não, é por antena, e lá precisaria de uma antena parabólica enorme, E como e que vais para lá, há aeroporto, Claro que não há aeroporto, mas há uma pista de terra batida, Então vais de avião, Claro que não, vou de carro, Mas a estrada está minada, E os vossos camiões de comida, não passam lá, Dão a volta, Mas dão a volta por onde, não dá para dar a volta, Mas queres dizer que passas na estrada minada, Pois, que remédio, Mas não pode ser, blábláblá…
Recordo que estamos a falar do chefe do PAM! Sempre pensei que o pessoal que aqui trabalha tivesse um pouco mais de noção da vida fora da redoma em que vive: numa casa espectacular, com cozinheira, segurança, carro, televisão por satélite, rádio fm, luz de gerador, água carregada à cabeça por alguém que não interessa quem até um poço com motobomba para por a água na torneira, telefone, Internet, etc, etc. Bom, o resto do pessoal tem, mas aquele gajo é mesmo uma tristeza. Aliás, estamos (eu, outro americano e um inglês) a combinar um plano de lhe enfiar uma cabra com uma mensagem ao pescoço pela janela com uma mensagem do género “Little Portuguese girl starving in Tchindjenje, please help!”, em inglês, claro, porque ele não pesca nada de português! Pode ser que ele acredite que a cabra percorreu 100 km com a mensagem!
sexta-feira, 10 de setembro de 2004
Matemática? Dotora, compriquei!
Mais visitas, por favor!
Avião
Molhar o pãozinho no sangue
quinta-feira, 2 de setembro de 2004
Umbundo
Ser catchindeli
A minha mãe tem a teoria de que as crianças não distinguem a cor da pessoa à partida, têm que ser ensinadas para perceber que são diferentes. Mas essa teoria é completamente refutada aqui. Eles de facto percebem que eu sou diferente desde bem pequeninos, até os que andam às cavalitas da mãe embrulhados nos panos. Até percebem que não sou albina, já que aqui há alguns e ninguém foge deles.
O reino da Chiaca
Um dia desenvolvo mais esta história dos reinos, quando souber quem é o rei e o nome dos reinos daqui. Tenho que ler a história de Angola numa versão melhor do que uma que já li, que, como tudo aqui, é propaganda ao MPLA e que não é muito explícita.
domingo, 29 de agosto de 2004
A minha companhia
Aqui no Tchindjenje o principal problema é que não me enquadro nesta sociedade, nem sequer sou bem tolerada. Isto nunca me tinha acontecido desta maneira. Por exemplo no Lubango, as pessoas eram simpáticas, apreciavam o nosso trabalho, pediam ajuda naquilo que não sabiam fazer, ajudavam-nos no que podiam e no que não podiam, enfim, acho que genuinamente gostavam de nós. Aqui não é nada assim. As pessoas nunca tiveram água em casa porque no tempo em que alguém aqui a tinha elas moravam no mato. Nem sequer percebem a importância. Não falam português, nunca viram uma mulher de calças nem uma pessoa branca… Têm mesmo medo de mim! É outro mundo mesmo! E Porque viver numa casa com ratos ou baratas, atravessar duas valas de esgoto até ao lado oposto da rua ou não ter água para tomar banho, já são coisas a que me habituei, e muito mais facilmente do que a não ter ninguém com quem falar… Benditos sejam os livros, os computadores e a luz eléctrica! E o fim de semana na civilização (Huambo)!
sábado, 28 de agosto de 2004
Como vivem as pessoas versus aquilo que as pessoas pensam delas
É preciso não esquecer que a esperança média de vida daqui é de 40 anos, o que quer dizer que, na melhor das hipóteses as pessoas que conheceram o período colonial, conheceram-no até aos 10 anos de idade. Essas pessoas, que viviam como os bancos ou que pelo menos conheciam a civilização, não ficaram nas aldeias ou cidades onde o conflito foi mesmo agreste, como é o caso de toda a província do Huambo e da parte rural da de Benguela. Foram ou para Portugal ou para as cidades que não tiveram guerra: Benguela, Lubango e Luanda principalmente. Essas pessoas vivem em cidades decentes, dentro das possibilidades que a guerra permitiu.
O Lubango é espectacular! Benguela está linda! Acho que a vida nessas cidades actualmente se assemelha muito à vida em Portugal nos anos 80. Claro que há um retrocesso enorme, porque provavelmente a vida em Angola nos anos 70 seria semelhante quase à vida actual em Portugal (bom, não havia telemóveis, mas havia tudo o resto que no Portugal profundo só agora se começa a ter, como abastecimento de água, saneamento, luz eléctrica…). Digo isto porque eu morei até aos 7 anos numa casa sem água canalizada numa aldeia perto de Coimbra, onde se tomava banho numa bacia e eu carregava água da fonte, e isso foi só há 20 anos!
Mas porque é que o Huambo está tão mal então? No período colonial o Huambo e Benguela eram as províncias mais prósperas. Para além disso, especialmente o Huambo, era o grande bastião da UNITA. Assim, o MPLA morre de medo de que o Huambo se torne de novo numa grande cidade. Assim, o esforço em melhorar a vida do pessoal daqui é incrivelmente menor que no resto de Angola, não vão as pessoas daqui ter possibilidade de subir ao poder. Aqui a política aqui é uma luta tribal, nitidamente! Claro que também é só preciso fazer o estritamente necessário para que o povo pense que se faz alguma coisa, apenas para poder ganhar as próximas eleições. Porque esforço, esforço, melhorias, melhorias, não se fazem. Aprenderam bem com os Tugas!
quarta-feira, 25 de agosto de 2004
O que fazem então?
terça-feira, 24 de agosto de 2004
Os 50 serventes fazem o quê?
Baratas, ratos, aranhas e demais animais de estimação
(Curta) História do Thindjenje
Não, não passo o dia na praia!
Clima tropical?
domingo, 22 de agosto de 2004
Huambo-Benguela-Luanda
Vim de avião de Benguela, para onde fui de carro. Benguela é até agora a cidade de que mais gostei no conjunto pessoas + urbanismo. Fiquei espantada com o modo como fui ajudada por pessoas que não conhecia. Pensei que a melhor maneira de saber onde comprar materiais seria perguntando às pessoas que normalmente o fazem – os trabalhadores da empresa de águas. Fui à empresa de águas, onde fui logo recebida pelas mais variadas pessoas, que me disponibilizaram um sr. para ir comigo aos armazéns que conhecia. Foi mesmo fantástico, nunca pensei! Isto no Huambo, direcção provincial para onde estou a trabalhar, seria impensável!
No entanto, os contactos em Benguela e Lobito (a 30 km) foram infrutíferos e vim para Luanda, onde supostamente tudo se encontra. Não deixa de ser verdade, mas o problema é que o que se faz cá é pouco, as fábricas fecham em Agosto, o material importado demora com sorte 1 mês, é caríssimo e de qualidade duvidosa. Ainda vou ficar por Luanda mais uns dias para ver o que posso fazer, mas acho que não posso fazer muito mais do que comprar o que houver, importar algum material e fingir que não sei que as tubagens vão rebentar com a pressão...
Mas afinal, o que é que isto interessa?
Depois de 1 mês no meio do mato, sabe-me bem chegar à civilização. Luanda é uma cidade enorme e com tudo. Hoje fui ao Jumbo (inaugurado em 1970!), libertar a minha ânsia consumista, num sítio onde há tudo e a preço +- razoável. Se houvesse um Jumbo em Tchindjenje eu era feliz lá!
sábado, 14 de agosto de 2004
Caminhadas? Ainda não, obrigada!
quarta-feira, 4 de agosto de 2004
Então e os moços com que estás a viver, são fixes?
Homens
Os homens, em jeito compensação por serem muito menos, têm entre 3 e 4 mulheres, com o consentimento delas, obrigatoriamente sustentadas por eles. Como não observo de facto que haja muito mais homens que mulheres, suponho que essas mesmas mulheres tenham também 3 a 4 homens, mas sem o consentimento deles. Já tentei explicar aos homens de cá de casa a estatística, mas eles acharam que eu estou enganada, que há muitas mulheres assim, mas não as deles. Bom, na verdade estes dizem que só têm 1, mas eu acho que só têm 1 oficial, uma vez que aqui não há problema nenhum em ter mais do que 1, para além da obrigatoriedade de sustento (daí o oficial).
A comida do PAM
Trabalho no Tchindjenje
Vida do Tchindjenje
Toda a gente aqui acredita em feitiços, mesmo os portugueses que cá trabalharam. Diz-se que o pessoal que vem ao Tchindjenje não sai mais de cá. Mas acho que isto só se aplica aos homens, porque são as mulheres que fazem feitiços aqui!
sábado, 24 de julho de 2004
Nós os das ONGs
Fins de semana no Huambo
A faculdade de veterinária está completamente destruída, aliás, como quase todo o bairro de Santo António, porque era a área dos quartéis. O resto da cidade podia esta pior, eu pelo menos tinha uma imagem muito mais negativa. Claro que há muitos edifícios com marcas de balas e de bombas, mas mesmo assim, pensei que não restasse pedra sobre pedra. Não é bem assim. As coisas começam a voltar ao normal. O esforço de recuperação é enorme, que se nota já nas muitas estradas e casas arranjadas, as casas graças à campanha “cimento e tinta”, isto é, as pessoas podem ir buscar gratuitamente cimento e tinta ao governo. O Huambo tem uma grande vantagem de recuperação da guerra face às cidades que não foram afectadas: tem pouquíssima gente! Não há quase ninguém nas ruas, carros, só os das ONG e os bairros de casas de adobe à volta são ínfimos, pelo menos a comparar com Luanda ou Lubango. Não dou mais do que 100.000 pessoas aqui à cidade.
O ajuntamento às pessoas locais é complicado. São um bocado desconfiadas (não sei se é bem o termo) e frias, o que dificulta o relacionamento e não seria de esperar considerando a minha experiência do Lubango.
Chegada ao Tchindjenje
Durante a semana fico a morar numa aldeiazinha chamada Tchindjenje (Coordenadas? 12º47’ de latitude Sul e 14º56’ de longitude Este, 1350 metros de altitude relativamente ao nível médio das águas do mar medido no marégrafo e Luanda!), perdida no meio do mundo, a 100 km do Huambo na estrada para Benguela.
Estes 100 km demoram cerca de 3 horas a fazer, 50 km em asfalto esburacado e 50 km de picada, supostamente minada, mas onde passam centenas de camiões todos os dias! O troço do Tchindjenje à Babaera é o pior troço da estrada Huambo-Benguela, demora-se hora e meia agora na altura do cacimbo. Na altura das chuvas só passam camiões militares
Tchindjeje não tem nada para além de 200 casas antigas e bastante degradadas pelo tempo e pela guerra e algumas casinhas de adobe e telhado de colmo à volta. Em Tchindjenje não há telefone, nem rede de telemóvel, nem chega lá o correio. Ainda há sítios assim no mundo!
Comunicação (o quanto custa fazer este pequeno diário)
Porque é que vim?
Como fui parar a Angola pela 2ª vez
A CIC-Portugal – Associação para a Cooperação, Intercâmbio e Cultura, ONGD Portuguesa, pretende recrutar para um Projecto de Reabilitação de Sistema de Abastecimento Água, a decorrer na Província do Huambo – Angola, um coordenador de projecto com o seguinte perfil:Requisitos:- Licenciatura ou Engenharia Civil ou Engenharia de Recursos Hídricos.- Especialização e/ ou experiência em Hidráulica- Experiência de trabalho em países em desenvolvimento, preferencialmente em Angola.- Experiência de formação profissional. Principais funções:- Coordenação de todas as actividades do Projecto- Responsável pela reabilitação de toda a rede de abastecimento de água potável ao Município.- Organização e formação dos serviços comunitários da Administração Municipal.- Formação e capacitação dos recursos humanos da Administração Municipal para a manutenção destas estruturas e sua rentabilização. Condições:- Contrato de Missão Humanitária por um período de 4 meses (Julho a Outubro de 2004);- Remuneração compatível com o grau de exigência do projecto;- Viagem Lisboa-Luanda-Lisboa;- Seguro de acidentes pessoais;- Alojamento e transportes locais.
Era a minha cara! Concorri, fui a uma entrevista que me correu lindamente e que acabou em “Quando é que pode vir cá trazer o passaporte para tratar do visto?”
Não passaram 2 semanas e já estava de novo em Angola, depois de 2 dias inteirinhos na embaixada de Angola em Portugal. Tinha consciência que ia ser difícil ir para o Huambo, ainda mais para um município perdido. Mas fui na mesma!