quinta-feira, 28 de junho de 2018

França como Portugal nos anos 80

Há muitas coisas em França do ano 2018 que me lembram muito Portugal nos anos 80, mas com internet. De notar que eu estou na região parisiense, portanto na capital de um dos países mais influentes do mundo, tendo vivido boa parte da minha vida nos arrabaldes da capital de Portugal.
Então comecemos:
Quem se lembra da última vez que passou um cheque, que não tenha sido visado para comprar uma casa? Pois em França não se vive sem um livro de cheques. Se dizes por acaso que não tens cheques, ficam logo a olhar para ti de lado pois certamente foste inibido de os usar. Pagar a renda, pagar o ginásio, pagar o restaurante, pagar as compras no supermercado...

Quem se lembra da última vez que viu alguém a fazer cavalinhos de mota no trânsito? Aqui pelo menos 1x por semana vejo pessoas a fazê-lo.

Quem se lembra de ver corridas de carros nas ruas da cidade (não estou a falar nas auto estradas, já lá vamos) em plena luz do dia ou à noite? Quase todas as noites por aqui.

Quem se lembra de ver pessoal aos gritos no trânsito, pontapés de motociclistas em carros porque não deixaram espaço suficiente para eles passarem no meio da autoestrada? Todos os dias por aqui.

Quem se lembra quando foi a última vez que viu pessoal a fumar no metro, mesmo se já fosse proibido há anos? Pois várias vezes aqui.

Quem se lembra de ver pessoas a atirar lixo para o chão (ok, beatas não contam, infelizmente, mas deviam contar) ou janela fora dos carros ou a deixar montanhas de lixo entre os bancos dos autocarros ou do metro? Todos os dias aqui.

Quem se lembra de ver pessoas a fazer xixi nos cantos da cidade em plena luz do dia ou mesmo nos túneis do metro (ok, bairro alto à noite não conta mas devia contar)? Pois por aqui é todos os dias, quando existem casas de banho gratuitas, frescas e lavadas em cada canto da cidade.

Quando foi a última vez que lamberam um selo para uma carta que não tivesse sido para mandar um postal de um destino exótico para vossa própria casa porque já não sabem a morada de ninguém? Pois por aqui não se sobrevive sem papel, sobrescritos e selos em casa. Tudo se trata pelo correio: segurança social, impostos, pagamento de renda, reembolso de despesas de saúde, recibos de vencimento, contrato de trabalho, pedido de documentos oficiais como o registo criminal...

E há quanto tempo já não têm um documento de identificação em papel de tamanho A6 que não cabe em nenhuma carteira e têm um fantástico cartão com chip com o qual podem assinar documentos oficiais ou usar para tratar de qualquer assunto na internet? Pois aqui ainda vigora o cartão enorme em papel plastificado e ainda o terrível boletim de família, uma espécie de passaporte familiar como existiam, lá está, nos anos 80, sem o qual não é possível fazer nenhuma “demarche”.

Há quanto tempo não é obrigatório a família ter toda o mesmo apelido, ou seja, a esposa adotar o apelido do marido e inclusivamente perder os seus apelidos. Pois aqui, em qualquer formulário é preciso preencher o apelido e o apelido de “jovem rapariga” que já não existe no nome. Acho até que deviam ter todos os apelidos de todos os casamentos prévios no formulário, para ter a certeza de que não escapa nenhum! E obviamente que não é expectável que uma pessoa da minha idade conserve o apelido de solteira.

E há quanto tempo uma mulher não casada que tenha uma criança pode (e deve) dar o apelido do pai à criança e o pai ser obrigado a registar a criança. Pois aqui, um filho de uma mãe solteira é filho apenas dela. Não tenho a certeza se um filho de uma mulher casada é obrigatoriamente filho do marido dela, hei de investigar, mas suspeito que sim!

Em Portugal também há muitos anos que num divórcio cada um vai para seu lado e se sustenta. Por aqui, o marido continua a sustentar a esposa até ela voltar a casar (se isso acontecer), dividindo com ela o rendimento familiar prévio. Aparentemente é assim em muitos outros países, mas num país que tem no seu mote a igualdade, parece-me um bocado desigual, não? Investigarei se o mesmo sucede caso o marido tenha menores rendimentos que a mulher, mas acho que não. Pelo menos só ouvi falar de casos de maridos que ganhavam mais do que as mulheres e tiveram de as sustentar, às vezes sustentando 2 divórcios, metade para a primeira e 1/4 para a segunda!

Há quanto tempo não esperam eternidades para comprar o passe mensal nas bilheteiras? Sim, aquele que era válido de dia 1 a dia 31 de cada mês e que causava filas enormes nos dias antes de dia 1 e que deixava os outros dias com as bilheteiras vazias. Pois aqui ainda é assim! Vá lá, já é um cartão electrónico, mas não me admiraria se tivéssemos de colar a vinheta no cartão. Mas não! Haja alguma coisa dos anos 90! Mas os bilhetes simples ainda são em papel, pequeninos e com uma banda magnética que se enfiam de um lado da máquina e saem pelo outro. É verdade seja dita, já usam esse sistema há pelo menos 20 anos, quem sabe na altura isto fosse uma inovação cá da terra quando em Portugal ainda andávamos a obliterar os nossos bilhetes de cartão nos 4 cantos. De repente deu-me as saudades de uma boa carteira de módulos de 2 que era preciso picar dos dois lados para ir para a Costa da Caparica!

E não ter rede de telemóvel em quase nenhum lado? Ok, nos anos 80 ainda não se tinham generalizado os telemóveis, mas nos anos 90 sim. Ter de andar a gritar para falar, não ter rede dentro do metro. Pois aqui é assim e toda a gente parece achar normal. Ainda se escolhe a rede de telemóvel pela cobertura que ela tem em nossa casa e no nosso emprego. E não estou a falar de uma aldeia perdida. Estou a falar da região parisiense, com os seus vários milhões de habitantes e com uma densidade populacional das maiores da Europa!

Crianças a brincar na rua e a andarem despreocupadamente de casa para a escola e vice-versa também é coisa que em Portugal infelizmente não se vê há muitos anos. Se a CPCJ aqui viesse tenho impressão que retirava aos pais todas as crianças que por aqui vejo.

Estabelecimentos comerciais e restaurantes imundos, a ASAI já os tinha fechado a todos.

E o pior... o cheiro das pessoas... aqui ninguém parece ter o olfato desenvolvido. Uma pessoa vive nauseada nos transportes a um extremo que eu não julgava possível em pleno século XXI, de verão e de inverno. Se chover (o que felizmente tem sido raro desde que aqui cheguei), as pessoas para além de cheirarem a suor, cheiram também a cão molhado! A sério, água e sabão, não?

E para termos a certeza que as coisas não vão para melhor, a mais recente notícia indica que para além dos computadores portáteis, que já são proibidos nas escolas e universidades desde 2009 (!), agora também serão proibidos os telemóveis e tablets! Não, não é na sala de aulas, é em todo o estabelecimento escolar ou universitário, para alunos e professores!

Acho que não há esperança para a França, depois disto...

A diferença que faz 15 cm

Ver casas para comprar na região de Paris continua a não ser fácil. 
Tendo visto agora casas recentes, ou seja, com menos de 10 anos, observei que a maioria dos anúncios mostram casas com muitos ângulos diferentes de 90 graus. Em alguns casos podia tratar-se de um aproveitamento de espaço. Dentro de Paris, sendo uma cidade radial, é normal que assim seja porque os lotes não são retangulares. No entanto, fora do centro de Paris, onde há muito mais espaço, pude constatar que se tratou de uma opção estética do arquiteto. Fez as coisas tortas porque sim. E não se pode dizer que tenham a harmonia de um Gaudi... 
Depois de fazer a triagem por anúncios que não tivessem ângulos visíveis diferentes de 90o lá fui ver algumas casas recentes. Tinham tudo para ser simpáticas e agradáveis mas... havia ali qualquer coisa que não dava para perceber o que era que me fazia sentir mal dentro das casas. Era uma sensação de claustrofobia que eu nunca tinha sentido antes. Mas como era possível, as janelas eram grandes, a maioria com varanda... percebi então que o que me fazia impressão era o pé direito (altura do chão ao teto) que era muito pequeno. Fui investigar...
As conclusões são as seguintes: mínimo de pé direito em França: 2,55m em construção nova, podendo ir a 2,40m em alguns casos (para não falar nos desvãos de sótãos tão apreciados por estas paragens. Pé direito mínimo em Portugal: 2,70m. Pois tenho a dizer que eu do alto do meu metro e sessenta e tal, acho que viver com menos de 1 metro para o teto não é de todo agradável. É mais fácil de aquecer, é certo, do que o meu pé direito de 6 metros da sala da vivenda que vendi no ano passado, mas... por favor, não façam isso. As casas ficam claustrofóbicas! 
E se calhar ainda vou ter de comprar uma assim... a diferença que fazem 15 cm de pé direito na percepção de espaço é enorme! A partir de agora em vez de tomar atenção ao preço por m2 vou pensar em tomar atenção ao preço por m3!