sábado, 2 de outubro de 2004

Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos (marca registada)

Ando a re-descobrir a minha vocação para professora. Lembro-me agora quando brincava com os meus amigos do prédio às escolas e aos escritórios. Porquê? Porque comecei já a dar aulas de um curso com nome pomposo que eu mesma inventei chamado Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água. Inventei tanto o nome, como o plano de formação, como os conteúdos como a avaliação. Está quase tudo programado.

Comecei o curso com uma avaliação prévia de conhecimentos e expectativas. Os conhecimentos eram apenas escrever números por extenso, fazer algumas contas muito simples de somar, subtrair e multiplicar, algumas medições de objectos com fita métrica, calcular áreas e volumes. Dar-me-ia por muito feliz que todos soubessem fazer aquilo. Pensei que seria muito fácil, mostrei aos amigos expatriados o enunciado e eles acharam que era ofensivo de tão fácil que era.

Das 8 pessoas que participaram, ninguém foi para além das contas de somar e subtrair. Inclusivamente houve pessoas que não sabiam ler nem escrever nem fazer contas. E que mesmo assim denotaram uma imaginação ímpar, ao tentarem copiar sem saber ler ou escrever! Alguém acredita! Acabei por ter que seleccionar apenas 4 pessoas que tinham a 4ª classe do tempo colonial e foram-me impostas mais 3, com a 8ª classe deste tempo posteriormente a isso. Queria só salientar que as pessoas não são burras, só que nunca foram à escola nem nunca saíram do Chinjenje, onde repito, não há rádio, televisão, etc. Estas pessoas, apesar dos seus 25 ou 30 anos, têm o entendimento do mundo de uma criança de 4 anos, ou menor ainda. As pessoas que ainda andaram na escola no tempo colonial, que já têm 40 e tal anos, que já andaram por outras terras, algumas por outros países, são completamente diferentes, mas também tiveram outras oportunidades na vida para além de terem que sobreviver às bombas.

Destas pessoas sairá uma que ficará com o grande tacho de trabalhar na administração municipal, por isso vejam bem a responsabilidade que a administração municipal põe nas minhas mãos!

O curso está a correr bem. Os primeiros dias foram giríssimos! Mesmo sem grandes recursos pedagógicos acho que eles evoluem a olhos vistos, o que é muito bom. Ainda só andamos nas revisões de matemática e nas revisões de geografia, mas tem sido bem engraçado por pessoas com a 4ª classe a fazer coisas do 8º ano em 4 horas por dia.

Agradeço a todos os que me perguntaram se eu precisava de algumas coisas para a formação. Não é fácil mandar coisas para cá, isto é mesmo o fim do mundo e as coisas chegariam quando eu já estivesse a ir embora, se chegassem. Cá me tenho que contentar com um quadro, giz, folhas brancas, lápis de carvão, o Atlas Geográfico de Angola, esse grande livro que toda a gente adora e que até é baratinho (2 euros) e alguns objectos tirados do lixo, como rolos de papel higiénico acabados, latas de azeite (sim, aqui o azeite vende-se em latas e é caríssimo!) e coisas afins! Tem sido divertido. Estou prestes a descobrir a minha nova vocação: professora!

Agora até à noite e aos fins de semana trabalho, aproveitando quando há energia para preparar as aulas dos dias seguintes, escrevendo textos e inventando exercícios. Já que não há nenhum livro pelo qual me possa guiar, escrevo o meu próprio livro, a que posso dar o nome de CGSAAPT - Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos, este trocadilho apenas válido para quem passou uma noite a rir à parva algures a 7000 km daqui há quase 2 anos!

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