sábado, 4 de dezembro de 2004

Cheguei!


Cheguei! Sã e salva! É só para dizer isto!

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

4 meses!

Faz hoje precisamente 4 meses que aterrei em Luanda pela 2ª vez, portanto que trabalho na CIC. Por um lado parecem 4 anos, por outro parecem 4 dias. Hoje estava um dos meus colegas (angolano) a dizer que aqui no Chinjenje todos os dias se envelhece mais um bocadinho do que nos outros sítios, que precisamos mesmo de ir ao Huambo para espairecer, mas se formos ao Ukuma já melhoramos bastante. É verdade, a vida aqui é mesmo um desconsolo!

Eu tenho mais sorte do que ele, eu daqui a 2 semanas estarei na Tuga! Aeroporto da Portela, dia 3/12 às 19:45, vinda de Luanda!

Devo parecer ansiosa por chegar. Estou cheia de saudades de toda a gente, da comida, do mar, da minha casinha, de tomar banho descalça, de ter luz eléctrica todo o dia, de outra roupa que não as 8 mudas que trouxe (que estão todas rotas porque não resistem à agressividade do tanque), enfim… de um pouco de conforto.

Ser tuga

Nestas últimas semanas, à boa moda portuguesa, descobri que tenho imensas coisas que fazer antes de me ir embora, para além dos costumeiros relatórios. Na primeira semana no Tchindjnenje fiz o dimensionamento da rede de abastecimento de água à mão com papel e caneta. Agora estou uma boa computador-dependente, preciso de uma condição essencial para trabalhar, que é ter luz. Como só há luz das 18:30 as 22, então tenho trabalhado nas obras durante o dia e escrito coisas durante a noite até faltar a luz.

O fim do Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos (marca registada)

O curso de gestão para tansos (a que chamei pomposamente Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água) acabou hoje! Estive há pouco a ver testes finais e a fazer o relatório da avaliação. Fiz um teste bem difícil! Até avisei os alunos que era melhor que se preparassem porque ia ser algo de realmente muito complicado, que não era preciso decorarem nada, era preciso que percebessem e que o teste era com consulta de tudo! E o melhor é que não estava à espera de um tão bom resultado! É que houve um 96%, mas infelizmente houve só mais um que passou, com 53. Uma teve 40 e tal e dois tiveram 20 e tal. O bêbado não apareceu…

segunda-feira, 1 de novembro de 2004

Primeira passeata

Como não há carro, e é feriado decidi fazer pela primeira vez algo de realmente interessante! (É que no meio de tanta restrição, ainda não consegui passear nada, simplesmente porque não há carro nem tenho amigos com carro!) Então ontem abandonei o pessoal daqui sem dizer para onde ia, porque até pensei vir almoçar a casa, ir só dar uma voltinha. Pensei ir até ao rio Cuiva, que não fica nada longe, uns 30 minutos a pé.



Cheguei ao rio e pensei porque raio é que havia de me ficar por ali se ainda era de manhã. Então decidi ir à Camera, uma missão no meio do mato que se vê do Chinjenje, lá no alto, depois de e atravessar o rio. Claro que tinha o problema de ser a subir e de serem uns 8 km até lá, mas porque não? Eu até tinha trazido um pacote de bolachas e ainda dava para ir almoçar a casa! Lá fui andando.

Estranhamente fui encontrando pessoas simpáticas pelo caminho. Não sei se já perceberam que em geral as pessoas aqui não são nada simpáticas e são imensamente desconfiadas. Faço ideia do que pensavam: “o que andará esta cachindeli a fazer aqui?” Lá fui andando até que cheguei à missão 2 horas e meia depois de ter saído de casa. Assim que cheguei, ficou tudo muito surpreendido por lá. Um Sr., que mais tarde se apresentou como Sr. Miguel, dá-me as boas vindas aos terrenos da missão e fica extraordinariamente surpreendido por me ver chegar a pé. Disse para eu visitar à minha vontade.



A missão está destruída, como tudo nesta terra. Mas a igreja ainda se mantém mais ou menos, porque é a única coisa que tem telhado. Fiquei praí 1 hora na torre da igreja, mesmo ao pé dos sinos, de onde se tinha uma vista fantástica. Via-se o Chinjenje, o Ukuma, e vim a saber depois que até se vê a Ganda, mas eu como sou tão pitosga e não levei óculos nem vi. Também estava ligeiramente enevoado, talvez não se visse realmente.


Desci da torre e era para me ir embora. O Sr. Miguel disse que um dia tinha que voltar com mais calma, fazer um piquenique e subir ao alto de um rochedo perto de lá, de onde se teria uma vista ainda mais fantástica. Perguntei-lhe quanto tempo se demorava e se tinha caminho, ele respondeu que se demorava meia hora e que tinha caminho, que não tinha nada que enganar. Decidi ir.

Ele arranjou-me dois miúdos para irem comigo, não fosse eu me perder, e para me levarem a um reservatório de água que havia lá no alto que antigamente servia para armazenar água que depois caía cá em baixo numa turbina para fazer energia 24 horas por dia para o hospital que lá existia. Já estão a imaginar como fiquei encantada ainda antes de ver! Lá fui eu com os miúdos. Foi muito fixe. A vista de lá de cima era muito linda.



Mesmo assim não subi tudo porque os miúdos não sabiam mais o caminho, o que quer dizer que não foi desta que vi, pelo menos de longe o ponto mais alto de Angola, que é praí a uns 30 km daqui em linha recta. Mas de qualquer maneira subi aos 1750 metros desde os 1250 metros do rio Cuiva e desde os 1400 metros da missão, nada mau. O que eu queria mesmo era os 2600 do Morro Moco, mas não quero ir sozinha! Cláudia, vem cá no fim de semana que vem (feirado dia 11, quinta!) e vamos lá! Se já fizemos 40 km num dia (Tchivinguiro diz-te alguma coisa?), podemos perfeitamente fazer uns 30 em dois dias! Claro que o convite é extensível aos restantes elementos do clube de aventura, só que aos outros é um bocado mais difícil virem até cá!



Voltei de lá de cima com os miúdos, deixei-os na missão, prometi voltar ao Sr. Miguel e regressei. Claro que já eram 15:00 e os meus queridos colegas a esta hora já estariam preocupadíssimos. Mas o Sr. Miguel, vendo que chegou uma bicicleta do Chinjenje e que ia regressar, muito previdente, informou o Sr. da bicicleta que tinha visitas na missão. Não era difícil perceber quem eu era, uma vez que não há mais brancos no Chinjenje! E disse-me para eu ir com calma, que nesta altura já todo o Chinjenje sabia onde eu estava.

Eu é que não podia ir com muita calma porque estava mesmo a ver a carga de água que ia apanhar… E apanhei mesmo. Granizo e chuva durante o tempo suficiente para nem as cuecas escaparem (Cláudia, Rita, isto lembra-vos algo?). Chovia tanto que me fez estugar o passo de tal maneira que em vez das 2 horas e meia da ida, fiz o caminho em hora e meia (também era a maior parte do caminho a descer até ao Cuiva!). O pior é que aqui depois da chuva não fica aquele calorzinho do deserto, fica um frio do caraças e com a roupa toda colada não é muito agradável. Estavam praí uns 12 graus ou menos, mas com vento é mesmo desagradável!

Lá cheguei ao Chinjenje. E não é que os meus colegas não sabiam de mim? A sorte é que pensaram que eu tivesse apanhado alguma boleia para o Ukuma e não ficaram muito ralados! De tal maneira que até comeram o meu almoço, o que quer dizer que tive que me contentar com fruta e pão! A seguir fiz a janta, o que foi uma grande alegria porque aqui raramente tive oportunidade de me chegar à cozinha. Era feriado, demos folga à cozinheira. Por mim até podíamos dar todos os dias, detesto a comida dela e estou farta de comer sempre carapau frito com arroz e salada de tomate! E eu que sempre a minha vida toda comi nas cantinas, até na do Técnico, que agora não sei como é mas já foi mmuuiittoo má, chego à conclusão que, tanto no Huambo como no Chinjenje, as nossas cozinheiras são ainda piores! Vou sair daqui com guelras de carapau, na certa! Ai que saudades da comida das Donas Teresas do Lubango!

E pronto, assim acabou o dia de ontem, que foi de certeza o dia mais fixe e de mais passeio que tive desde que cá estou. Quem me dera companhia para fazer isto mais vezes e ainda ter alguém com quem ir a tagarelar pelo caminho… Mas o que vale é que eu também não em atrapalho sozinha. Não fosse o medo de me meter por caminhos desconhecidos por causa das minas, iam ver! Só que aqui não dá para nos perdermos, nem atalhar pelo mato. Até as estradas são perigosas! Eu só fui à missão porque sabia que iam lá carros, se fosse atalho não sei se iria tão alegremente!

sábado, 2 de outubro de 2004

Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos (marca registada)

Ando a re-descobrir a minha vocação para professora. Lembro-me agora quando brincava com os meus amigos do prédio às escolas e aos escritórios. Porquê? Porque comecei já a dar aulas de um curso com nome pomposo que eu mesma inventei chamado Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água. Inventei tanto o nome, como o plano de formação, como os conteúdos como a avaliação. Está quase tudo programado.

Comecei o curso com uma avaliação prévia de conhecimentos e expectativas. Os conhecimentos eram apenas escrever números por extenso, fazer algumas contas muito simples de somar, subtrair e multiplicar, algumas medições de objectos com fita métrica, calcular áreas e volumes. Dar-me-ia por muito feliz que todos soubessem fazer aquilo. Pensei que seria muito fácil, mostrei aos amigos expatriados o enunciado e eles acharam que era ofensivo de tão fácil que era.

Das 8 pessoas que participaram, ninguém foi para além das contas de somar e subtrair. Inclusivamente houve pessoas que não sabiam ler nem escrever nem fazer contas. E que mesmo assim denotaram uma imaginação ímpar, ao tentarem copiar sem saber ler ou escrever! Alguém acredita! Acabei por ter que seleccionar apenas 4 pessoas que tinham a 4ª classe do tempo colonial e foram-me impostas mais 3, com a 8ª classe deste tempo posteriormente a isso. Queria só salientar que as pessoas não são burras, só que nunca foram à escola nem nunca saíram do Chinjenje, onde repito, não há rádio, televisão, etc. Estas pessoas, apesar dos seus 25 ou 30 anos, têm o entendimento do mundo de uma criança de 4 anos, ou menor ainda. As pessoas que ainda andaram na escola no tempo colonial, que já têm 40 e tal anos, que já andaram por outras terras, algumas por outros países, são completamente diferentes, mas também tiveram outras oportunidades na vida para além de terem que sobreviver às bombas.

Destas pessoas sairá uma que ficará com o grande tacho de trabalhar na administração municipal, por isso vejam bem a responsabilidade que a administração municipal põe nas minhas mãos!

O curso está a correr bem. Os primeiros dias foram giríssimos! Mesmo sem grandes recursos pedagógicos acho que eles evoluem a olhos vistos, o que é muito bom. Ainda só andamos nas revisões de matemática e nas revisões de geografia, mas tem sido bem engraçado por pessoas com a 4ª classe a fazer coisas do 8º ano em 4 horas por dia.

Agradeço a todos os que me perguntaram se eu precisava de algumas coisas para a formação. Não é fácil mandar coisas para cá, isto é mesmo o fim do mundo e as coisas chegariam quando eu já estivesse a ir embora, se chegassem. Cá me tenho que contentar com um quadro, giz, folhas brancas, lápis de carvão, o Atlas Geográfico de Angola, esse grande livro que toda a gente adora e que até é baratinho (2 euros) e alguns objectos tirados do lixo, como rolos de papel higiénico acabados, latas de azeite (sim, aqui o azeite vende-se em latas e é caríssimo!) e coisas afins! Tem sido divertido. Estou prestes a descobrir a minha nova vocação: professora!

Agora até à noite e aos fins de semana trabalho, aproveitando quando há energia para preparar as aulas dos dias seguintes, escrevendo textos e inventando exercícios. Já que não há nenhum livro pelo qual me possa guiar, escrevo o meu próprio livro, a que posso dar o nome de CGSAAPT - Curso de Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água Para Tansos, este trocadilho apenas válido para quem passou uma noite a rir à parva algures a 7000 km daqui há quase 2 anos!

Tchindjenje versus Chinjenje

Pois é, cá estou não numa nova cidade mas na mesma, aparentemente com o nome um pouco diferente. É que na última semana levei uma reprimenda do vice-administrador do município dizendo que Tchindjenje já não se escrevia assim, mas sim Chinjenje. O raio desta terra já teve sei lá quantos nomes, desde Quinjenje no tempo colonial, Tchindjenje no tempo dos cubanos e russos (é assim que vem escrito no mapa oficial de Angola), mas agora parece que a Administração o quer mudar para Chinjenje, deve ser para ser diferente de todos os outros. O engraçado é que toda a gente chama a isto Quinjenje, e mesmo as direcções provinciais chamam assim e escrevem assim. Portanto tudo isto é uma grande confusão. Ainda hão-de concluir que o nome tem que ser escrito de várias maneiras, consoante se escreve em Português ou Umbundu. Ainda vou ver este país com as coisas escritas de pelo menos duas maneiras diferentes, português e a língua local, neste caso aqui o umbundo, (ou será umbundu, como se escreve o nome da língua na própria língua?).

As armas e os barões assinalados

Custa-me imaginar como terá sido o serviço militar do meu pai aqui. Mas se calhar ainda me custa mais imaginar como é que os brancos que cá viviam e que queriam tanto a independência quanto os negros e que se viram obrigados a ir embora para o país subdesenvolvido que era (é) Portugal e a viver com um ressentimento face a este país que nunca conseguirão superar.

Eu ouço cada coisa aqui que até me custa a perceber. Mas o que mais custa é a ouvir que no tempo dos portugueses é que era bom, que não conseguiram fazer nada com a independência e especialmente culpar os portugueses por terem abandonado isto à sua sorte. Aqui ninguém percebe, e eu também nunca me tinha apercebido, que Portugal (a metrópole) também queria a independência (do regime que se vivia na altura). E conseguiu, felizmente. Mas foi a custo que se viveram os anos 80.

A grande diferença é que nenhum país estava interessado em controlar Portugal. Portugal não tem recursos. E aqui a guerra só foi incitada porque as duas grandes potências na altura estavam altamente interessadas nisto: EUA e Rússia. Se todos os países tivessem deixado Angola ao deus dará, como deixaram Portugal, a guerra não teria acontecido e este país não estava como está.

Mas não interessa lamentar o que não se fez ou o que se poderia ter feito. Eu pessoalmente nem tenho a consciência pesada, nem tinha nascido! E Angola agora só vai lá quando as pessoas que assistiram a tudo isto morrerem, para que a história seja contada de um modo não ressentido. Refiro-me a Angola, mas poderia referir-me apenas a alguns reinos, em especial ao território da etnia dos Ovimbundos, o pessoal do Huambo, Benguela, Bié. Os outros reinos andam para a frente, apesar das dificuldades, mas não passaram pelo mesmo que aqui se passou. Foi não só uma sorte, mas também um savoir faire.

Enfim, eu nunca compreenderia porque é que há guerras tão bem se não estivesse aqui a passar pela vida dois anos depois dos últimos bombardeamentos. Se cá tivesse estado no tempo de guerra, a perspectiva seria completamente diferente. Assim até posso contar estas histórias sem tomar o partido de nenhum partido político ou sem nunca me ter preocupado em sobreviver.

É uma pena que pessoas que são capazes de ter orgasmos a falar sobre armas e aviões (e eu própria, que já um dia achei que queria ser piloto, eventualmente militar), não tenham a oportunidade de viver de mais de perto a história de uma guerra qualquer, porque quando esta história puder passar alegremente no Canal História, já ninguém se vai lembrar de como era a vida das pessoas durante esse tempo nem qual era realmente o interesse dessa guerra. E a história vai ser contada pelos vencedores, porque os vencidos morreram.

A vida melhora ou uma pessoa habitua-se?

A vida aqui vai bastante melhor. Já me habituei a:
8 horas de viagem todos os fins de semana
trabalhar todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos
não ter carro, nem para trabalhar nem para me deslocar quando tal me foi prometido
trabalhar numa organização completamente desorganizada que ontem finalmente acordou para a necessidade de organização ou morte lenta e dolorosa
não ter electricidade
ter um quartinho interior, que serve também de escritório e sala de reuniões, quando me tinham prometido um palácio
ter que dar os bons dias de pijama a 50 trabalhadores no meu quintal quando vou à casa de banho de manhã
viver com o mau humor constante que o mephaquin ajuda a potenciar
gerir a economia doméstica
viver numa casa perfeitamente nojenta, a comer comida preparada de modo nojento, a não escolher a comida que como
dormir horas ímpares
acordar com o Henriques a gritar pelo Adelino
aturar o péssimo humor de fim de semana de todos os meus coleguinhas que vivem em casas, não em palhotas como eu
não conseguir fazer nada de jeito no fim de semana para além de ir à net ou sair à noite e dar em alcoólica como o resto do pessoal expatriado (já prometi não beber mais!)
As condições em que eu vivo são 300 vezes piores que as que alguma vez vivi, mesmo apesar de já ter que ter carregado muita água à cabeça quando morava numa aldeia chamada Campizes, perto de Coimbra até aos 7 anos. Imagino agora como os meus pais não se devem te sentido por terem que ter saído de uma casa mais ou menos, em Almada e pôr a família toda a viver numa casinha modesta de aldeia sem água e a por a filha a estudar numa escola primária com 9 alunos de todas as classes ao mesmo tempo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Mais vale apanhar gravidez que apanhar doença!

Eu sou a única por aqui que não estou grávida ou não tem um filho com menos de 1 ano! O pessoal aqui tem filhos continuamente entre os 14 e os 45 para mulheres e os 80 para homens (não fosse a esperança média de vida ser de 42 anos). Pudera, não há mais nada que fazer! Um dos nossos motoristas, o sr. Zé, tem 14 filhos oficiais de 2 mulheres (a primeira morreu). Acho que é o record de filhos de tão poucas mulheres, porque aqui o pessoal tem normalmente pelo menos 3 a 4 mulheres ao mesmo tempo. Trabalhar na CIC dá-lhes a grande vantagem de poderem ter uma em cada terra, assim têm sempre uma casinha fixe onde ficar. Todas as mulheres sabem da existência das outras, é mesmo oficial, não é nada às escondidas. Assim, cada uma só tem que se esmerar para tratar melhor o marido para que ele passe o maior tempo possível com ela! É lindo! Claro que depois os maridos acham que são os únicos, porque vivem convencidos que há muito mais mulheres que homens. É verdade, porque muitos morreram na guerra, mas não é tão verdade assim, porque as mulheres não são sequer o dobro dos homens… Enfim, deixai-os viver felizes e com a cabeça pesada sem saberem. É que a poligamia só é permitida aos homens, eles pensam que elas são umas santas, e especialmente, pensam que sabem distinguir um filho que não seja deles (essa é que eu achei gira!). Ora os putos são todos iguais! E como é que é possível haver homens com filhos de 5 anos quando estiveram na guerra sem saberem das famílias nos últimos 10 anos?! E para não falar nos que morrem, que são às dezenas! A mortalidade infantil é enorme e os que nascem mortos também.

Mas já chega de divagações acerca de filhos, que pode ser que estas coisas ainda se peguem só de falarmos delas! Só mais uma frase de uma miúda de 14 anos, grávida: “Mais vale apanhar gravidez do que apanhar doença!” Genial, não é?

Obrigada pela solidariedade!

Na sequência do post anterior referente a um determinado senhor que tentava de tudo para me mandar coisas para o Tchindjenje, tive algumas respostas em tentativa de descobrir como me mandar o que eu preciso aqui. Se estavam a falar a sério gostaria de referir que, na verdade não me falta nada daquelas coisas essenciais à vida. Como podem ter lido, no Huambo encontra-se o essencial, nada falta que não faltasse em Portugal nos anos 80. Claro que no Tchindjenje não é assim, as carências são enormes, mas é por isso que eu tenho o privilégio de poder vir ao Huambo todos os fins-de-semana, não é como o pessoal que lá vive.

Para melhor vos explicar como as pessoas normais vivem aqui no Huambo (não como eu, obviamente, que ganho balúrdios e pelo menos, apesar de receber em Portugal e não o poder levantar aqui tive a oportunidade de trazer quanto quis) e se quiserem relembrar esses longínquos anos 80 onde não havia muita abundância de bens supérfluos para a comum das famílias, posso dar alguns exemplos de coisas que nessa altura eram um luxo, mas que, quem tinha dinheiro, como é agora o meu caso no Huambo e não era o caso da minha família na altura, podia comprar:
-era um luxo usar sabonete, usava-se sabão azul;
-era um luxo usar amaciador para o cabelo, doía a pentear;
-era um luxo comer iogurtes ou queijo ou gelados ou chocolate para o leite ou beber sumos ou refrigerantes, ou comer chocolates, eram muito caros;
-era um luxo ter água canalizada em casa, eu não tinha na casa onde vivi até aos 7 anos numa aldeia perto de Coimbra, ia buscá-la à fonte.
E alguns exemplos de como aqui se vive muito melhor no Huambo do que em Portugal nos anos 80:
-era um luxo ter televisão a cores, aqui toda a gente tem (na cidade, claro, não no mato!) mesmo que precise de comprar um gerador a diesel para a ligar;
-era um luxo ter telefone em casa, agora há muita gente com telemóveis, mesmo que tenham que ir ao café pedir para carregar a bateria…
A vida no mato é que é bem mais dura, mas o pessoal sempre viveu mal, isto não é nenhuma novidade para a civilização!

domingo, 19 de setembro de 2004

Muito mais acerca de matemática e conhecimento geral do mundo dos autóctones

Estas duas últimas semanas foram da minha compreensão acerca do entendimento do mundo e dos conhecimentos matemáticos das pessoas que habitam e trabalham no Tchindjeje. É completamente inacreditável que pessoas com o 9º ano não saibam fazer uma conta de somar ou de multiplicar, mas pior, que pessoas que têm o 5º ano não saibam copiar um número para um papel dos contadores de água. É absolutamente inacreditável!

Bom, inacreditável não é, uma vez que este pessoal nos últimos anos viveu a fugir das bombas e teve passagens administrativas na escola, mas de qualquer maneira, é praticamente impossível explicar a quem quer que seja como se faz qualquer tipo de trabalho. É que nem televisão têm! Eu, que não vejo televisão, começo a perceber a importância que a televisão teve na minha vida, uma coisa que nunca me tinha passado pela cabeça até ter conhecido um sítio onde para além de não haver televisão não há mais nada! Nem escola, nem livros, nem mapas, nem material escolar. Os professores sabem tanto como os alunos, isto é, nada… Porquê eu, a fazer um sistema de abastecimento de água com tantas facilidades como os contadores de água, para pessoas que não sabem o que é um número? Meto-me em cada uma!

A resolução para este problema vai começar a ser eu começar a dar aulas de generalidades. Ainda não sei como, mas provavelmente no pátio da nossa casa, com cadernos comprados por mim, lápis comprados por mim e um quadro feito praí com um pedaço de madeira, não sei. Alguém tem alguma sugestão minimamente pedagógica de por onde começar? Ai a falta que me faz ser professora! E ter sido explicadora de matemática e física do 12º ano não ajuda nada! Os meus “alunos” eram bons demais!

Estou a pensar começar por umas aulas de unidades de medida, porque é que elas existem, para quê, qual é a necessidade… Depois, umas aulas de cartografia, escalas, para que servem, etc. E depois não sei… É um tipo de trabalho para que não me sinto muito preparada, mas lá vai ter que ser… Aceitam-se sugestões!

O PAM

Depois de 2 meses meio perdida nas terras altas do Huambo, descobri que a maneira mais fácil de me adaptar à vida aqui, e já que os angolanos não facilitam a vida dos expatriados, é dar-me precisamente com os expatriados. São, na maior parte das vezes, tal como eu, pessoal que trabalha em ONGs. Vivem quase todos na cidade do Huambo, e não no mato como eu. No fim de semana encontro-me com eles muitas vezes e fazemos umas festinhas. Alguns vivem aqui mesmo ao pé, os da Halo Trust, a ONG que anda a fazer a desminagem. Há ainda os portugueses da FEC, professores, que também são muito fixes. E há muitos mais, mas com quem não me dou tão bem, da Cruz Vermelha, Solidarité, Médicos do Mundo, Safe Children, Movimundo, entre muitas outras ONG daqui. Portanto, estou sempre ansiosa que chegue o fim de semana e de me livrar das pestinhas do Tchindjenje.

Apesar do convívio muito mais fácil com o pessoal expatriado, esta semana tive uma conversa completamente surreal com um americano, responsável máximo do WFP (Programa Alimentar Mundial). Conheci-o este fim de semana com a conversa do costume,

(à lá José Saramago)

Olá, como te chamas, O meu nome é tal, E o teu, Trabalhas onde, Em tal parte, E tu, Eu trabalho numa aldeia chamada Tchindjenje, a 100 km daqui, mas venho passar o fim de semana ao Huambo, Ai sim, mas porquê,

(E a partir daqui é que começou o surrealismo)

Porque lá não há nada, especialmente porque não há nada para comer, preciso de vir comprar comida e como não há luz todo o dia, não há comida que aguente no frigorífico, blábláblá, Mas tem que haver comida, nós distribuímos,

(nota para os mais distraídos, o Programa Alimentar Mundial é responsável pela distribuição de comida às populações em situação de emergência, como seja os últimos anos de guerra aqui em Angola. Normalmente quando as situações passam de emergência a desenvolvimento, o PAM deixa de distribuir gradualmente comida e outros programas começam a incentivar o cultivo, o comércio, etc, logo o PAM não vai durar muito mais tempo cá, porque Angola já não se encontra em situação de emergência. No entanto, mesmo durante a distribuição do PAM, apenas as famílias ou as localidades mais fragilizadas recebem alimentos, normalmente para fazer face a casos severos de subnutrição, normalmente em situações, como o Tchindjenje é um caso, em que cultivar é complicado porque não há segurança nos terrenos de cultivo por causa das minas. Para além de que o PAM só distribui milho, óleo, açúcar e penso que mais nada)

(continuando com a história surreal)

Mas eu não sou um caso severo de subnutrição, com que lata é que vou ao PAM buscar comida que faz falta a outras pessoas, Então se precisares de alguma coisa, posso-te mandar pelo camião do PAM, mandas-me só um e-mail, Mas lá não há e-mail, Como não há, não tens Internet, Não, claro que não, nem há luz, Então telefona-me, Mas será que não percebes que também não há telefone, Como não há telefone, o que é que fazes afinal, sem net nem telefone, vês televisão, Também não há televisão nem rádio, Porquê, não há cabo lá, Cabo, mas aqui não há tv por cabo, Mas como, claro que há, Claro que não, é por antena, e lá precisaria de uma antena parabólica enorme, E como e que vais para lá, há aeroporto, Claro que não há aeroporto, mas há uma pista de terra batida, Então vais de avião, Claro que não, vou de carro, Mas a estrada está minada, E os vossos camiões de comida, não passam lá, Dão a volta, Mas dão a volta por onde, não dá para dar a volta, Mas queres dizer que passas na estrada minada, Pois, que remédio, Mas não pode ser, blábláblá…

Recordo que estamos a falar do chefe do PAM! Sempre pensei que o pessoal que aqui trabalha tivesse um pouco mais de noção da vida fora da redoma em que vive: numa casa espectacular, com cozinheira, segurança, carro, televisão por satélite, rádio fm, luz de gerador, água carregada à cabeça por alguém que não interessa quem até um poço com motobomba para por a água na torneira, telefone, Internet, etc, etc. Bom, o resto do pessoal tem, mas aquele gajo é mesmo uma tristeza. Aliás, estamos (eu, outro americano e um inglês) a combinar um plano de lhe enfiar uma cabra com uma mensagem ao pescoço pela janela com uma mensagem do género “Little Portuguese girl starving in Tchindjenje, please help!”, em inglês, claro, porque ele não pesca nada de português! Pode ser que ele acredite que a cabra percorreu 100 km com a mensagem!

sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Matemática? Dotora, compriquei!

Esta semana fiquei particularmente escandalizada como as pessoas com melhores habilitações literárias (8º ano), e portanto consideradas como as melhores capacitadas de toda a administração municipal (a câmara municipal de cá do sítio), não conseguem fazer uma conta tão simples como 2+3x5. Quanto dá esta conta? 25? 17? Pois, eles não faziam ideia que era 17 nem depois de lhes explicar… Agora como é que eu vou explicar-lhes como é que se gere um sistema de abastecimento de água? Tenho impressão que nem sabem o que é um metro cúbico, quanto mais ler um contador de água!

Mais visitas, por favor!

Hoje recebi uma delegação do Ministério da Energia e Águas, de visita ao nosso humilde projecto, considerado um projecto-piloto em toda a ajuda humanitária alguma vez feita! Penso que ficaram um pouco decepcionados com a pequena aldeia em que está a ser implementado, mas foi muuuuiiiiitttto bm poder falar ao menos um dia com alguém que fale a mesma linguagem que eu, isto é, que perceba minimamente o que é uma obra ou especialmente o que é um sistema de abastecimento de água ou que é gestão ou o que é um modelo económico de exploração.

Avião

Tchindjenje, apesar dos seus praí 2000 habitantes, tem pista de aterragem. É certo que é de terra batida, mas também é certo que desde que cá estou já aterrou 1 avião e 3 helicópteros nessa pista, o último dos helicópteros esta semana. E é espectacular porque quando aterra qualquer coisa maior que uma andorinha naquela pista é uma festa naquela cidade!

Molhar o pãozinho no sangue

Na semana passada, logo na 2ª para começar bem a semana, sou surpreendida em casa por um pedido de ajuda ao centro de saúde às 21:45 (não esquecer que vivo com um médico) porque um carro tinha sido atacado a cerca de 10 km da minha aldeia, no meio do mato, por volta das 18 horas (é noite escura às 18). O bom disto foi que tivemos luz até às 24 horas, mais duas horas que o normal. O mau é que foram mortas a tiro 2 pessoas e feridas mais 2. Eu, que nunca tinha sabido nada de armas, começo a familiarizar-me com esta coisa de armas e tiros e bombas e ameaças de morte e etc. Aqui é tudo normalíssimo e encarado com muita naturalidade. E “molhar o pãozinho no sangue”, como eu costumo chamar a ficar a ver a desgraça alheia, é muito tradicional por aqui.

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

Umbundo

Tenho andado a tentar aprender umbundo, mas não é fácil. Já consigo perceber algumas conversas dos trabalhadores das obras, especialmente quando usam palavras portuguesas pelo meio, que possivelmente não existem em umbundo. Mas mesmo assim acho que não vou sair daqui a saber dizer mais do que saudações ou os números. Costumo ter “aulas” nas viagens de carro entre o Tchindjenje e o Huambo e vou aprendendo as letras das músicas que vou ouvindo, mas acho mesmo que isto de aprender línguas com esta idade é mesmo complicado, veja-se o russo, andei um ano a ter aulas e já não me lembro de quase nada!

Ser catchindeli

As crianças começam a ser minhas amigas em algumas áreas onde vou muitas vezes. Agora tentam brincar comigo às escondidas. Divertem-se a chamar-me catchindeli (que não faço ideia se é assim que se escreve), que quer dizer branquinha, eu aceno-lhes, elas fogem e escondem-se a ver se eu vou atrás delas. No entanto, em sítios onde não passo muitas vezes, ainda há umas quantas que ficam a olhar para mim muito sérias e às vezes fogem a chorar ou agarram-se à mãe, que era o que acontecia sempre anteriormente. Eu devo ser mesmo feia!
A minha mãe tem a teoria de que as crianças não distinguem a cor da pessoa à partida, têm que ser ensinadas para perceber que são diferentes. Mas essa teoria é completamente refutada aqui. Eles de facto percebem que eu sou diferente desde bem pequeninos, até os que andam às cavalitas da mãe embrulhados nos panos. Até percebem que não sou albina, já que aqui há alguns e ninguém foge deles.

O reino da Chiaca

Descobri esta semana que aqui a aldeia onde eu vivo faz parte do reino da Chiaca, um dos quatro reinos da província do Huambo (Bailundo e Chicoco são outros dois), dos doze de Angola. E como um reino precisa de um rei, o rei existe mesmo! O que eu também não sabia é que o rei vive aqui no Tchindjenje! Ainda não conheço o rei, nem sei como se prestará vassalagem a semelhante figura, mas dizem que o rei já me conhece a mim, o que é preocupante! Tenho que ir conhecer o rei brevemente! Como é que será que se veste? E terá coroa? Descobri ainda que os doze reis dos reinos de Angola fazem parte do Conselho da República, que é um grupo de conselheiros do José Eduardo dos Santos.
Um dia desenvolvo mais esta história dos reinos, quando souber quem é o rei e o nome dos reinos daqui. Tenho que ler a história de Angola numa versão melhor do que uma que já li, que, como tudo aqui, é propaganda ao MPLA e que não é muito explícita.

domingo, 29 de agosto de 2004

A minha companhia

É lindo computadorzinho que serve para tudo, assim houvesse luz: trabalhar, ouvir música, ver filmes, escrever mails offline (e leva-los no flash disk, porque não me deixam usar o meu na net, infelizmente), escrever memórias, armazenar fotos, ver fotos… Se não tivesse trazido computador não sei o que seria de mim!

Aqui no Tchindjenje o principal problema é que não me enquadro nesta sociedade, nem sequer sou bem tolerada. Isto nunca me tinha acontecido desta maneira. Por exemplo no Lubango, as pessoas eram simpáticas, apreciavam o nosso trabalho, pediam ajuda naquilo que não sabiam fazer, ajudavam-nos no que podiam e no que não podiam, enfim, acho que genuinamente gostavam de nós. Aqui não é nada assim. As pessoas nunca tiveram água em casa porque no tempo em que alguém aqui a tinha elas moravam no mato. Nem sequer percebem a importância. Não falam português, nunca viram uma mulher de calças nem uma pessoa branca… Têm mesmo medo de mim! É outro mundo mesmo! E Porque viver numa casa com ratos ou baratas, atravessar duas valas de esgoto até ao lado oposto da rua ou não ter água para tomar banho, já são coisas a que me habituei, e muito mais facilmente do que a não ter ninguém com quem falar… Benditos sejam os livros, os computadores e a luz eléctrica! E o fim de semana na civilização (Huambo)!

sábado, 28 de agosto de 2004

Como vivem as pessoas versus aquilo que as pessoas pensam delas

As pessoas que vivem por estas aldeias não falam português, não sabem o que foi a colonização, nunca viram um português ou mesmo um branco, nunca viram televisão, nunca ouviram rádio e vivem tal e qual como há 2000 anos atrás, com excepção de que há 2000 anos atrás tinham que se esforçar para comer, e agora dá-lhes o PAM (Programa Alimentar Mundial).

É preciso não esquecer que a esperança média de vida daqui é de 40 anos, o que quer dizer que, na melhor das hipóteses as pessoas que conheceram o período colonial, conheceram-no até aos 10 anos de idade. Essas pessoas, que viviam como os bancos ou que pelo menos conheciam a civilização, não ficaram nas aldeias ou cidades onde o conflito foi mesmo agreste, como é o caso de toda a província do Huambo e da parte rural da de Benguela. Foram ou para Portugal ou para as cidades que não tiveram guerra: Benguela, Lubango e Luanda principalmente. Essas pessoas vivem em cidades decentes, dentro das possibilidades que a guerra permitiu.

O Lubango é espectacular! Benguela está linda! Acho que a vida nessas cidades actualmente se assemelha muito à vida em Portugal nos anos 80. Claro que há um retrocesso enorme, porque provavelmente a vida em Angola nos anos 70 seria semelhante quase à vida actual em Portugal (bom, não havia telemóveis, mas havia tudo o resto que no Portugal profundo só agora se começa a ter, como abastecimento de água, saneamento, luz eléctrica…). Digo isto porque eu morei até aos 7 anos numa casa sem água canalizada numa aldeia perto de Coimbra, onde se tomava banho numa bacia e eu carregava água da fonte, e isso foi só há 20 anos!

Mas porque é que o Huambo está tão mal então? No período colonial o Huambo e Benguela eram as províncias mais prósperas. Para além disso, especialmente o Huambo, era o grande bastião da UNITA. Assim, o MPLA morre de medo de que o Huambo se torne de novo numa grande cidade. Assim, o esforço em melhorar a vida do pessoal daqui é incrivelmente menor que no resto de Angola, não vão as pessoas daqui ter possibilidade de subir ao poder. Aqui a política aqui é uma luta tribal, nitidamente! Claro que também é só preciso fazer o estritamente necessário para que o povo pense que se faz alguma coisa, apenas para poder ganhar as próximas eleições. Porque esforço, esforço, melhorias, melhorias, não se fazem. Aprenderam bem com os Tugas!

quarta-feira, 25 de agosto de 2004

O que fazem então?

Nada, rigorosamente nada. Sentam-se a porta de casa e fazem filhos aos 4 em cada 3 anos!

terça-feira, 24 de agosto de 2004

Os 50 serventes fazem o quê?

É assim, imagine-se como se cava 1 buraco: 1 cava 5 minutos, enquanto 7 olham, depois vão trocando! É hilariante mas acaba com os nervos de qualquer pessoa, ou melhor, com os de qualquer portuguesa! Mas como pedir a um homem que come 1 prato de pirão (puré de milho cozido) por dia que cave durante 8 horas? Ninguém aguenta!

Baratas, ratos, aranhas e demais animais de estimação

As baratas são, provavelmente, o bicho mais nojento do mundo. E em Angola são aos biliões! As aranhas são dos animais mais espectaculares porque… COMEM BARATAS! Os ratinhos teimam em não me deixar dormir sossegada! Resolvem roer e chatear durante a noite. Na verdade os meus companheiros de quarto ainda não os vi, mas já vi o da cozinha de Luanda. É pequenino e querido. Mas tenho que arranjar um gato! Definitivamente!

(Curta) História do Thindjenje

Esta localidade não existia até os primeiros colonos terem ido para lá, aquando da construção dos Caminhos de Ferro de Benguela. O nome da vila também nem sempre se escreveu assim. Apesar de ser difícil saber qual é o nome verdadeiro da terra, eu opto pelo nome que vem na cartografia (ou eu não adorasse mapas), mas há quem escreva e diga Chinjenje ou mesmo Quinjenje. E o nome é o que em umbundo (língua local) se dava a um pássaro que existia por lá mas que já foi extinto (curiosidade à lá José Hermano Saraiva, que tanto dá na RTPi, que vi bastante em Luanda, uma vez que no Huambo só temos TPS e no Tchindjenje nem televisão há)

Não, não passo o dia na praia!

Tchindjenje não é muito longe do mar para padrões de angolano, a uns escassos 270 km de Benguela, que demoram praí 7 horas a fazer, se não chover

Clima tropical?

No Tchindjenje e no Huambo estão normalmente 18 graus de dia e 5 à noite. Está um frio que não se pode! É que cá é inverno, ou melhor, cacimbo, como cá se chama!

domingo, 22 de agosto de 2004

Huambo-Benguela-Luanda

Hoje estou em Luanda, onde vim comprar alguns materiais, essa bela localidade onde há telemóvel, internet, telefone, correios, luz eléctrica, aviões, hipermercados e tudo a que se tem direito!

Vim de avião de Benguela, para onde fui de carro. Benguela é até agora a cidade de que mais gostei no conjunto pessoas + urbanismo. Fiquei espantada com o modo como fui ajudada por pessoas que não conhecia. Pensei que a melhor maneira de saber onde comprar materiais seria perguntando às pessoas que normalmente o fazem – os trabalhadores da empresa de águas. Fui à empresa de águas, onde fui logo recebida pelas mais variadas pessoas, que me disponibilizaram um sr. para ir comigo aos armazéns que conhecia. Foi mesmo fantástico, nunca pensei! Isto no Huambo, direcção provincial para onde estou a trabalhar, seria impensável!

No entanto, os contactos em Benguela e Lobito (a 30 km) foram infrutíferos e vim para Luanda, onde supostamente tudo se encontra. Não deixa de ser verdade, mas o problema é que o que se faz cá é pouco, as fábricas fecham em Agosto, o material importado demora com sorte 1 mês, é caríssimo e de qualidade duvidosa. Ainda vou ficar por Luanda mais uns dias para ver o que posso fazer, mas acho que não posso fazer muito mais do que comprar o que houver, importar algum material e fingir que não sei que as tubagens vão rebentar com a pressão...

Mas afinal, o que é que isto interessa?

Depois de 1 mês no meio do mato, sabe-me bem chegar à civilização. Luanda é uma cidade enorme e com tudo. Hoje fui ao Jumbo (inaugurado em 1970!), libertar a minha ânsia consumista, num sítio onde há tudo e a preço +- razoável. Se houvesse um Jumbo em Tchindjenje eu era feliz lá!

sábado, 14 de agosto de 2004

Caminhadas? Ainda não, obrigada!

A vida aqui é, como se pode ver, um bocado monótona. Por enquanto estas coisas ainda têm piada, dentro em breve esta aldeia vai ser pequena demais para mim. Uma boa maneira de resolver essa situação seria pôr-me a passear por aí por esses montes fora (vivo a 1400 metros de altitude e há aqui a menos de 10 km um monte com mais de 2000). No entanto, mesmo apesar da história das minas ser uma fraude (tenho que mandar um destes dias uma foto de uma zona indicada como minada com imenso gado a pastar, ou relembrar que a estrada que faço todas as semanas de ida e volta para o Huambo e que é atravessada por centenas de camiões todos os dias - estrada Huambo Benguela - está fechada por causa das minas) ainda assim não me sinto muito segura a caminhar por caminhos que nunca mais ninguém caminhou. Supostamente é simples, nada está minado! Mas na prática, não é facil encarar a possibilidade de ficar sem 1 perninha por se facilitar demais! Nesta semana o pessoal da desminagem detonou duas minas anti-tanque que estavam na estrada, bem no sítio onde passam as rodas de carros e onde eu já passei de carro 12 a 14 vezes se as contas não me falham. E agora? Volto para Portugal?

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Então e os moços com que estás a viver, são fixes?

BOM, isso daria uma longa história. São muuuuiiiiito diferentes de mim, são de cá, e isso é um problema! Viver com eles é como viver com 3 maridos. Há um “generation gap” (sou mais nova do que eles cerca de 15 anos!) e um choque cultural bastante grande entre eu e eles. Eles não compreendem a minha forma de viver e não vivem bem com isso. Sentem-se um bocado constrangidos com a minha presença, também. Um deles já viveu em Portugal, o que é uma vantagem, mas é Guineense, o que dificulta as coisas. Esse diz-se perdidamente apaixonado por mim, portanto a partir daí a nossa já difícil relação deteriorou-se. E depois, uma pessoa habituada a viver sozinha tem dificuldade em se adaptar a viver de novo em comunidade: imagina só viveres com 3 gajos que molham a tampa da sanita, que só comem funge (papa de milho) e que vivem à minha conta porque não são capazes de comprar nada para a casa, uma vez que isso de orientar o que se come ou o que se gasta é tarefa da gaja! Ai filha, se ter 1 marido é mau, imagina a triplicar! Mas podia ser muito pior. Já me vou habituando!

Homens

Dizem que há muito mais mulheres que homens por estas paragens porque houve muitos homens a morrer na guerra. No entanto eu vivo rodeada deles: Moro com 3 homens: 1 médico Guineense, 1 analista angolano e 1 logístico também angolano, que trabalham todos na CIC como eu. A única senhora é a D. Maria, que nos dá um jeito na cozinha e na lavagem de roupa. Para não falar nos 50 serventes do meu projecto, (sim, são mesmo 50, podia estar a exagerar, mas não!) que almoçam todos nosso quintal!

Os homens, em jeito compensação por serem muito menos, têm entre 3 e 4 mulheres, com o consentimento delas, obrigatoriamente sustentadas por eles. Como não observo de facto que haja muito mais homens que mulheres, suponho que essas mesmas mulheres tenham também 3 a 4 homens, mas sem o consentimento deles. Já tentei explicar aos homens de cá de casa a estatística, mas eles acharam que eu estou enganada, que há muitas mulheres assim, mas não as deles. Bom, na verdade estes dizem que só têm 1, mas eu acho que só têm 1 oficial, uma vez que aqui não há problema nenhum em ter mais do que 1, para além da obrigatoriedade de sustento (daí o oficial).

A comida do PAM

Imaginem que o administrador municipal, uma espécie de presidente da câmara de cá do sítio, me contou: “Quando tentei que alguém trabalhasse um bocadinho, neste caso que cultivassem alguns vegetais, respondem-me que antes de eu ter chegado a administrador já se comia no Tchindjenje.” Sabem o que é que se comia? Comida do Programa Alimentar Mundial. É a única comida que esta gente aqui já viu na vida (30 anos de guerra, 42 de esperança média de vida).

Trabalho no Tchindjenje

O trabalho, nesta fase, consiste em tentar explicar ao eng. Francisco, o delegado da CIC em Angola, que na verdade não é engenheiro, que aquilo que ele mandou fazer nos últimos 9 meses não funciona nem vai funcionar (será que ele percebeu isso e por isso me contratou?). Depois espero passar à fase de projecto de como deverão ficar mesmo as coisas. Depois haverá a fase de comprar materiais, sabe-se lá onde e trazê-los para aqui sabe-se lá como. Depois será fazer com que o pessoal trabalhe pelo menos um bocadinho, já que o pessoal do Tchindjenje é reconhecido a nível nacional por ser o mais preguiçoso. Tudo isto quando as obras já começaram há 9 meses e eu já só tenho 3 para implementar aquilo que supostamente vim cá fazer, o suposto sistema de abastecimento de água do Tchindjenje, para as 12.000 pessoas que não existem cá nem nunca existirão.

Vida do Tchindjenje

Como devem calcular, aqui não há nada para fazer para além do trabalho. Não há comércio para além de um mercado minúsculo com fuba, bananas e peixe seco e dois estabelecimentos comerciais com cerveja quente. Não moram aqui mais de 2000 pessoas, das quais 1900 saíram do mato para viver aqui há menos de 1 mês, não falam português e pensam que eu sou uma assombração (as crianças chamam-me chindeli, que quer dizer branca, ou aquelas que nem sabem o que isso é, chamam-me mulata). É preciso ver que sou a única branca que estas paragens já viram.

Toda a gente aqui acredita em feitiços, mesmo os portugueses que cá trabalharam. Diz-se que o pessoal que vem ao Tchindjenje não sai mais de cá. Mas acho que isto só se aplica aos homens, porque são as mulheres que fazem feitiços aqui!

sábado, 24 de julho de 2004

Nós os das ONGs

As ONG fazem um gueto enorme umas com as outras, por aquilo que dá para perceber. Falam inglês, vá-se lá saber porquê, visto que todos falam maravilhosamente português nas reuniões. oje há festinha da Movimundo. Lembra os estudantes de Erasmus, que não se juntam aos restantes estudantes e fazem festinhas privadas a toda a hora.

Fins de semana no Huambo

Nos fins de semana venho ao Huambo, uma cidade ENORME. Ao contrário do Lubango, a cidade onde estive antes, o Huambo quase não tem casinhas de adobe à volta. Muito pouca gente deve viver por aqui, já que se vê poucas pessoas nas ruas, mesmo a vender ou a passear ao fim de semana. Digamos que é uma cidade quase fantasma, muito pouco cosmopolita, apesar de ter de certeza sido uma cidade linda e cosmopolitíssima antes da independência. Está um bocado destruída pela guerra, mas não tanto como eu pensava.

A faculdade de veterinária está completamente destruída, aliás, como quase todo o bairro de Santo António, porque era a área dos quartéis. O resto da cidade podia esta pior, eu pelo menos tinha uma imagem muito mais negativa. Claro que há muitos edifícios com marcas de balas e de bombas, mas mesmo assim, pensei que não restasse pedra sobre pedra. Não é bem assim. As coisas começam a voltar ao normal. O esforço de recuperação é enorme, que se nota já nas muitas estradas e casas arranjadas, as casas graças à campanha “cimento e tinta”, isto é, as pessoas podem ir buscar gratuitamente cimento e tinta ao governo. O Huambo tem uma grande vantagem de recuperação da guerra face às cidades que não foram afectadas: tem pouquíssima gente! Não há quase ninguém nas ruas, carros, só os das ONG e os bairros de casas de adobe à volta são ínfimos, pelo menos a comparar com Luanda ou Lubango. Não dou mais do que 100.000 pessoas aqui à cidade.

O ajuntamento às pessoas locais é complicado. São um bocado desconfiadas (não sei se é bem o termo) e frias, o que dificulta o relacionamento e não seria de esperar considerando a minha experiência do Lubango.

Chegada ao Tchindjenje


Durante a semana fico a morar numa aldeiazinha chamada Tchindjenje (Coordenadas? 12º47’ de latitude Sul e 14º56’ de longitude Este, 1350 metros de altitude relativamente ao nível médio das águas do mar medido no marégrafo e Luanda!), perdida no meio do mundo, a 100 km do Huambo na estrada para Benguela.

Estes 100 km demoram cerca de 3 horas a fazer, 50 km em asfalto esburacado e 50 km de picada, supostamente minada, mas onde passam centenas de camiões todos os dias! O troço do Tchindjenje à Babaera é o pior troço da estrada Huambo-Benguela, demora-se hora e meia agora na altura do cacimbo. Na altura das chuvas só passam camiões militares

Tchindjeje não tem nada para além de 200 casas antigas e bastante degradadas pelo tempo e pela guerra e algumas casinhas de adobe e telhado de colmo à volta. Em Tchindjenje não há telefone, nem rede de telemóvel, nem chega lá o correio. Ainda há sítios assim no mundo!

Comunicação (o quanto custa fazer este pequeno diário)

No Huambo há 1 cybercafé com 3 computadores, o que implica grandes bichas e limitação de uso a ½ hora por utilizador. Como eu moro no tal Tchindjenje e só vou ao Huambo ao fim de semana e como no fds a SISTEC só abre ao sábado e graças às desmotivadoras bichas, às vezes fico semanas sem ir ver como está o mundo.

Porque é que vim?

Depois da vida rotineira e com tudo a que tinha direito (gajo, emprego bom, grupo de amigos de longa data), tudo ficou diferente de repente. Tinha que fazer aquilo que nunca tinha feito, as grandes aventuras que esperava ter na vida “para contar aos netos”. E, mais importante de tudo, fui para começar a conhecer o mundo. Para poder um dia escrever as minhas impressões de cada lugar que visitei, não chega ser turista e ficar em bons hotéis, dentro de uma redoma, como eu costumo dizer, mas viver no sítio, se possível perto de como as pessoas vivem. E não acredito em jornalistas nem em reportagens do national geographic!

Como fui parar a Angola pela 2ª vez

Depois de 6 meses numa empresa (portuguesa a trabalhar em Angola) miserável que me fez todos, um por um, dos meus cabelos brancos, vim-me embora orgulhosamente, recusando uma boa posição de directora de área. Talvez 1 mês antes vi o seguinte anúncio:

A CIC-Portugal – Associação para a Cooperação, Intercâmbio e Cultura, ONGD Portuguesa, pretende recrutar para um Projecto de Reabilitação de Sistema de Abastecimento Água, a decorrer na Província do Huambo – Angola, um coordenador de projecto com o seguinte perfil:Requisitos:- Licenciatura ou Engenharia Civil ou Engenharia de Recursos Hídricos.- Especialização e/ ou experiência em Hidráulica- Experiência de trabalho em países em desenvolvimento, preferencialmente em Angola.- Experiência de formação profissional. Principais funções:- Coordenação de todas as actividades do Projecto- Responsável pela reabilitação de toda a rede de abastecimento de água potável ao Município.- Organização e formação dos serviços comunitários da Administração Municipal.- Formação e capacitação dos recursos humanos da Administração Municipal para a manutenção destas estruturas e sua rentabilização. Condições:- Contrato de Missão Humanitária por um período de 4 meses (Julho a Outubro de 2004);- Remuneração compatível com o grau de exigência do projecto;- Viagem Lisboa-Luanda-Lisboa;- Seguro de acidentes pessoais;- Alojamento e transportes locais.
Era a minha cara! Concorri, fui a uma entrevista que me correu lindamente e que acabou em “Quando é que pode vir cá trazer o passaporte para tratar do visto?”

Não passaram 2 semanas e já estava de novo em Angola, depois de 2 dias inteirinhos na embaixada de Angola em Portugal. Tinha consciência que ia ser difícil ir para o Huambo, ainda mais para um município perdido. Mas fui na mesma!