domingo, 29 de agosto de 2004

A minha companhia

É lindo computadorzinho que serve para tudo, assim houvesse luz: trabalhar, ouvir música, ver filmes, escrever mails offline (e leva-los no flash disk, porque não me deixam usar o meu na net, infelizmente), escrever memórias, armazenar fotos, ver fotos… Se não tivesse trazido computador não sei o que seria de mim!

Aqui no Tchindjenje o principal problema é que não me enquadro nesta sociedade, nem sequer sou bem tolerada. Isto nunca me tinha acontecido desta maneira. Por exemplo no Lubango, as pessoas eram simpáticas, apreciavam o nosso trabalho, pediam ajuda naquilo que não sabiam fazer, ajudavam-nos no que podiam e no que não podiam, enfim, acho que genuinamente gostavam de nós. Aqui não é nada assim. As pessoas nunca tiveram água em casa porque no tempo em que alguém aqui a tinha elas moravam no mato. Nem sequer percebem a importância. Não falam português, nunca viram uma mulher de calças nem uma pessoa branca… Têm mesmo medo de mim! É outro mundo mesmo! E Porque viver numa casa com ratos ou baratas, atravessar duas valas de esgoto até ao lado oposto da rua ou não ter água para tomar banho, já são coisas a que me habituei, e muito mais facilmente do que a não ter ninguém com quem falar… Benditos sejam os livros, os computadores e a luz eléctrica! E o fim de semana na civilização (Huambo)!

sábado, 28 de agosto de 2004

Como vivem as pessoas versus aquilo que as pessoas pensam delas

As pessoas que vivem por estas aldeias não falam português, não sabem o que foi a colonização, nunca viram um português ou mesmo um branco, nunca viram televisão, nunca ouviram rádio e vivem tal e qual como há 2000 anos atrás, com excepção de que há 2000 anos atrás tinham que se esforçar para comer, e agora dá-lhes o PAM (Programa Alimentar Mundial).

É preciso não esquecer que a esperança média de vida daqui é de 40 anos, o que quer dizer que, na melhor das hipóteses as pessoas que conheceram o período colonial, conheceram-no até aos 10 anos de idade. Essas pessoas, que viviam como os bancos ou que pelo menos conheciam a civilização, não ficaram nas aldeias ou cidades onde o conflito foi mesmo agreste, como é o caso de toda a província do Huambo e da parte rural da de Benguela. Foram ou para Portugal ou para as cidades que não tiveram guerra: Benguela, Lubango e Luanda principalmente. Essas pessoas vivem em cidades decentes, dentro das possibilidades que a guerra permitiu.

O Lubango é espectacular! Benguela está linda! Acho que a vida nessas cidades actualmente se assemelha muito à vida em Portugal nos anos 80. Claro que há um retrocesso enorme, porque provavelmente a vida em Angola nos anos 70 seria semelhante quase à vida actual em Portugal (bom, não havia telemóveis, mas havia tudo o resto que no Portugal profundo só agora se começa a ter, como abastecimento de água, saneamento, luz eléctrica…). Digo isto porque eu morei até aos 7 anos numa casa sem água canalizada numa aldeia perto de Coimbra, onde se tomava banho numa bacia e eu carregava água da fonte, e isso foi só há 20 anos!

Mas porque é que o Huambo está tão mal então? No período colonial o Huambo e Benguela eram as províncias mais prósperas. Para além disso, especialmente o Huambo, era o grande bastião da UNITA. Assim, o MPLA morre de medo de que o Huambo se torne de novo numa grande cidade. Assim, o esforço em melhorar a vida do pessoal daqui é incrivelmente menor que no resto de Angola, não vão as pessoas daqui ter possibilidade de subir ao poder. Aqui a política aqui é uma luta tribal, nitidamente! Claro que também é só preciso fazer o estritamente necessário para que o povo pense que se faz alguma coisa, apenas para poder ganhar as próximas eleições. Porque esforço, esforço, melhorias, melhorias, não se fazem. Aprenderam bem com os Tugas!

quarta-feira, 25 de agosto de 2004

O que fazem então?

Nada, rigorosamente nada. Sentam-se a porta de casa e fazem filhos aos 4 em cada 3 anos!

terça-feira, 24 de agosto de 2004

Os 50 serventes fazem o quê?

É assim, imagine-se como se cava 1 buraco: 1 cava 5 minutos, enquanto 7 olham, depois vão trocando! É hilariante mas acaba com os nervos de qualquer pessoa, ou melhor, com os de qualquer portuguesa! Mas como pedir a um homem que come 1 prato de pirão (puré de milho cozido) por dia que cave durante 8 horas? Ninguém aguenta!

Baratas, ratos, aranhas e demais animais de estimação

As baratas são, provavelmente, o bicho mais nojento do mundo. E em Angola são aos biliões! As aranhas são dos animais mais espectaculares porque… COMEM BARATAS! Os ratinhos teimam em não me deixar dormir sossegada! Resolvem roer e chatear durante a noite. Na verdade os meus companheiros de quarto ainda não os vi, mas já vi o da cozinha de Luanda. É pequenino e querido. Mas tenho que arranjar um gato! Definitivamente!

(Curta) História do Thindjenje

Esta localidade não existia até os primeiros colonos terem ido para lá, aquando da construção dos Caminhos de Ferro de Benguela. O nome da vila também nem sempre se escreveu assim. Apesar de ser difícil saber qual é o nome verdadeiro da terra, eu opto pelo nome que vem na cartografia (ou eu não adorasse mapas), mas há quem escreva e diga Chinjenje ou mesmo Quinjenje. E o nome é o que em umbundo (língua local) se dava a um pássaro que existia por lá mas que já foi extinto (curiosidade à lá José Hermano Saraiva, que tanto dá na RTPi, que vi bastante em Luanda, uma vez que no Huambo só temos TPS e no Tchindjenje nem televisão há)

Não, não passo o dia na praia!

Tchindjenje não é muito longe do mar para padrões de angolano, a uns escassos 270 km de Benguela, que demoram praí 7 horas a fazer, se não chover

Clima tropical?

No Tchindjenje e no Huambo estão normalmente 18 graus de dia e 5 à noite. Está um frio que não se pode! É que cá é inverno, ou melhor, cacimbo, como cá se chama!

domingo, 22 de agosto de 2004

Huambo-Benguela-Luanda

Hoje estou em Luanda, onde vim comprar alguns materiais, essa bela localidade onde há telemóvel, internet, telefone, correios, luz eléctrica, aviões, hipermercados e tudo a que se tem direito!

Vim de avião de Benguela, para onde fui de carro. Benguela é até agora a cidade de que mais gostei no conjunto pessoas + urbanismo. Fiquei espantada com o modo como fui ajudada por pessoas que não conhecia. Pensei que a melhor maneira de saber onde comprar materiais seria perguntando às pessoas que normalmente o fazem – os trabalhadores da empresa de águas. Fui à empresa de águas, onde fui logo recebida pelas mais variadas pessoas, que me disponibilizaram um sr. para ir comigo aos armazéns que conhecia. Foi mesmo fantástico, nunca pensei! Isto no Huambo, direcção provincial para onde estou a trabalhar, seria impensável!

No entanto, os contactos em Benguela e Lobito (a 30 km) foram infrutíferos e vim para Luanda, onde supostamente tudo se encontra. Não deixa de ser verdade, mas o problema é que o que se faz cá é pouco, as fábricas fecham em Agosto, o material importado demora com sorte 1 mês, é caríssimo e de qualidade duvidosa. Ainda vou ficar por Luanda mais uns dias para ver o que posso fazer, mas acho que não posso fazer muito mais do que comprar o que houver, importar algum material e fingir que não sei que as tubagens vão rebentar com a pressão...

Mas afinal, o que é que isto interessa?

Depois de 1 mês no meio do mato, sabe-me bem chegar à civilização. Luanda é uma cidade enorme e com tudo. Hoje fui ao Jumbo (inaugurado em 1970!), libertar a minha ânsia consumista, num sítio onde há tudo e a preço +- razoável. Se houvesse um Jumbo em Tchindjenje eu era feliz lá!

sábado, 14 de agosto de 2004

Caminhadas? Ainda não, obrigada!

A vida aqui é, como se pode ver, um bocado monótona. Por enquanto estas coisas ainda têm piada, dentro em breve esta aldeia vai ser pequena demais para mim. Uma boa maneira de resolver essa situação seria pôr-me a passear por aí por esses montes fora (vivo a 1400 metros de altitude e há aqui a menos de 10 km um monte com mais de 2000). No entanto, mesmo apesar da história das minas ser uma fraude (tenho que mandar um destes dias uma foto de uma zona indicada como minada com imenso gado a pastar, ou relembrar que a estrada que faço todas as semanas de ida e volta para o Huambo e que é atravessada por centenas de camiões todos os dias - estrada Huambo Benguela - está fechada por causa das minas) ainda assim não me sinto muito segura a caminhar por caminhos que nunca mais ninguém caminhou. Supostamente é simples, nada está minado! Mas na prática, não é facil encarar a possibilidade de ficar sem 1 perninha por se facilitar demais! Nesta semana o pessoal da desminagem detonou duas minas anti-tanque que estavam na estrada, bem no sítio onde passam as rodas de carros e onde eu já passei de carro 12 a 14 vezes se as contas não me falham. E agora? Volto para Portugal?

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Então e os moços com que estás a viver, são fixes?

BOM, isso daria uma longa história. São muuuuiiiiito diferentes de mim, são de cá, e isso é um problema! Viver com eles é como viver com 3 maridos. Há um “generation gap” (sou mais nova do que eles cerca de 15 anos!) e um choque cultural bastante grande entre eu e eles. Eles não compreendem a minha forma de viver e não vivem bem com isso. Sentem-se um bocado constrangidos com a minha presença, também. Um deles já viveu em Portugal, o que é uma vantagem, mas é Guineense, o que dificulta as coisas. Esse diz-se perdidamente apaixonado por mim, portanto a partir daí a nossa já difícil relação deteriorou-se. E depois, uma pessoa habituada a viver sozinha tem dificuldade em se adaptar a viver de novo em comunidade: imagina só viveres com 3 gajos que molham a tampa da sanita, que só comem funge (papa de milho) e que vivem à minha conta porque não são capazes de comprar nada para a casa, uma vez que isso de orientar o que se come ou o que se gasta é tarefa da gaja! Ai filha, se ter 1 marido é mau, imagina a triplicar! Mas podia ser muito pior. Já me vou habituando!

Homens

Dizem que há muito mais mulheres que homens por estas paragens porque houve muitos homens a morrer na guerra. No entanto eu vivo rodeada deles: Moro com 3 homens: 1 médico Guineense, 1 analista angolano e 1 logístico também angolano, que trabalham todos na CIC como eu. A única senhora é a D. Maria, que nos dá um jeito na cozinha e na lavagem de roupa. Para não falar nos 50 serventes do meu projecto, (sim, são mesmo 50, podia estar a exagerar, mas não!) que almoçam todos nosso quintal!

Os homens, em jeito compensação por serem muito menos, têm entre 3 e 4 mulheres, com o consentimento delas, obrigatoriamente sustentadas por eles. Como não observo de facto que haja muito mais homens que mulheres, suponho que essas mesmas mulheres tenham também 3 a 4 homens, mas sem o consentimento deles. Já tentei explicar aos homens de cá de casa a estatística, mas eles acharam que eu estou enganada, que há muitas mulheres assim, mas não as deles. Bom, na verdade estes dizem que só têm 1, mas eu acho que só têm 1 oficial, uma vez que aqui não há problema nenhum em ter mais do que 1, para além da obrigatoriedade de sustento (daí o oficial).

A comida do PAM

Imaginem que o administrador municipal, uma espécie de presidente da câmara de cá do sítio, me contou: “Quando tentei que alguém trabalhasse um bocadinho, neste caso que cultivassem alguns vegetais, respondem-me que antes de eu ter chegado a administrador já se comia no Tchindjenje.” Sabem o que é que se comia? Comida do Programa Alimentar Mundial. É a única comida que esta gente aqui já viu na vida (30 anos de guerra, 42 de esperança média de vida).

Trabalho no Tchindjenje

O trabalho, nesta fase, consiste em tentar explicar ao eng. Francisco, o delegado da CIC em Angola, que na verdade não é engenheiro, que aquilo que ele mandou fazer nos últimos 9 meses não funciona nem vai funcionar (será que ele percebeu isso e por isso me contratou?). Depois espero passar à fase de projecto de como deverão ficar mesmo as coisas. Depois haverá a fase de comprar materiais, sabe-se lá onde e trazê-los para aqui sabe-se lá como. Depois será fazer com que o pessoal trabalhe pelo menos um bocadinho, já que o pessoal do Tchindjenje é reconhecido a nível nacional por ser o mais preguiçoso. Tudo isto quando as obras já começaram há 9 meses e eu já só tenho 3 para implementar aquilo que supostamente vim cá fazer, o suposto sistema de abastecimento de água do Tchindjenje, para as 12.000 pessoas que não existem cá nem nunca existirão.

Vida do Tchindjenje

Como devem calcular, aqui não há nada para fazer para além do trabalho. Não há comércio para além de um mercado minúsculo com fuba, bananas e peixe seco e dois estabelecimentos comerciais com cerveja quente. Não moram aqui mais de 2000 pessoas, das quais 1900 saíram do mato para viver aqui há menos de 1 mês, não falam português e pensam que eu sou uma assombração (as crianças chamam-me chindeli, que quer dizer branca, ou aquelas que nem sabem o que isso é, chamam-me mulata). É preciso ver que sou a única branca que estas paragens já viram.

Toda a gente aqui acredita em feitiços, mesmo os portugueses que cá trabalharam. Diz-se que o pessoal que vem ao Tchindjenje não sai mais de cá. Mas acho que isto só se aplica aos homens, porque são as mulheres que fazem feitiços aqui!