sábado, 2 de outubro de 2004

As armas e os barões assinalados

Custa-me imaginar como terá sido o serviço militar do meu pai aqui. Mas se calhar ainda me custa mais imaginar como é que os brancos que cá viviam e que queriam tanto a independência quanto os negros e que se viram obrigados a ir embora para o país subdesenvolvido que era (é) Portugal e a viver com um ressentimento face a este país que nunca conseguirão superar.

Eu ouço cada coisa aqui que até me custa a perceber. Mas o que mais custa é a ouvir que no tempo dos portugueses é que era bom, que não conseguiram fazer nada com a independência e especialmente culpar os portugueses por terem abandonado isto à sua sorte. Aqui ninguém percebe, e eu também nunca me tinha apercebido, que Portugal (a metrópole) também queria a independência (do regime que se vivia na altura). E conseguiu, felizmente. Mas foi a custo que se viveram os anos 80.

A grande diferença é que nenhum país estava interessado em controlar Portugal. Portugal não tem recursos. E aqui a guerra só foi incitada porque as duas grandes potências na altura estavam altamente interessadas nisto: EUA e Rússia. Se todos os países tivessem deixado Angola ao deus dará, como deixaram Portugal, a guerra não teria acontecido e este país não estava como está.

Mas não interessa lamentar o que não se fez ou o que se poderia ter feito. Eu pessoalmente nem tenho a consciência pesada, nem tinha nascido! E Angola agora só vai lá quando as pessoas que assistiram a tudo isto morrerem, para que a história seja contada de um modo não ressentido. Refiro-me a Angola, mas poderia referir-me apenas a alguns reinos, em especial ao território da etnia dos Ovimbundos, o pessoal do Huambo, Benguela, Bié. Os outros reinos andam para a frente, apesar das dificuldades, mas não passaram pelo mesmo que aqui se passou. Foi não só uma sorte, mas também um savoir faire.

Enfim, eu nunca compreenderia porque é que há guerras tão bem se não estivesse aqui a passar pela vida dois anos depois dos últimos bombardeamentos. Se cá tivesse estado no tempo de guerra, a perspectiva seria completamente diferente. Assim até posso contar estas histórias sem tomar o partido de nenhum partido político ou sem nunca me ter preocupado em sobreviver.

É uma pena que pessoas que são capazes de ter orgasmos a falar sobre armas e aviões (e eu própria, que já um dia achei que queria ser piloto, eventualmente militar), não tenham a oportunidade de viver de mais de perto a história de uma guerra qualquer, porque quando esta história puder passar alegremente no Canal História, já ninguém se vai lembrar de como era a vida das pessoas durante esse tempo nem qual era realmente o interesse dessa guerra. E a história vai ser contada pelos vencedores, porque os vencidos morreram.

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