sábado, 24 de julho de 2004

Nós os das ONGs

As ONG fazem um gueto enorme umas com as outras, por aquilo que dá para perceber. Falam inglês, vá-se lá saber porquê, visto que todos falam maravilhosamente português nas reuniões. oje há festinha da Movimundo. Lembra os estudantes de Erasmus, que não se juntam aos restantes estudantes e fazem festinhas privadas a toda a hora.

Fins de semana no Huambo

Nos fins de semana venho ao Huambo, uma cidade ENORME. Ao contrário do Lubango, a cidade onde estive antes, o Huambo quase não tem casinhas de adobe à volta. Muito pouca gente deve viver por aqui, já que se vê poucas pessoas nas ruas, mesmo a vender ou a passear ao fim de semana. Digamos que é uma cidade quase fantasma, muito pouco cosmopolita, apesar de ter de certeza sido uma cidade linda e cosmopolitíssima antes da independência. Está um bocado destruída pela guerra, mas não tanto como eu pensava.

A faculdade de veterinária está completamente destruída, aliás, como quase todo o bairro de Santo António, porque era a área dos quartéis. O resto da cidade podia esta pior, eu pelo menos tinha uma imagem muito mais negativa. Claro que há muitos edifícios com marcas de balas e de bombas, mas mesmo assim, pensei que não restasse pedra sobre pedra. Não é bem assim. As coisas começam a voltar ao normal. O esforço de recuperação é enorme, que se nota já nas muitas estradas e casas arranjadas, as casas graças à campanha “cimento e tinta”, isto é, as pessoas podem ir buscar gratuitamente cimento e tinta ao governo. O Huambo tem uma grande vantagem de recuperação da guerra face às cidades que não foram afectadas: tem pouquíssima gente! Não há quase ninguém nas ruas, carros, só os das ONG e os bairros de casas de adobe à volta são ínfimos, pelo menos a comparar com Luanda ou Lubango. Não dou mais do que 100.000 pessoas aqui à cidade.

O ajuntamento às pessoas locais é complicado. São um bocado desconfiadas (não sei se é bem o termo) e frias, o que dificulta o relacionamento e não seria de esperar considerando a minha experiência do Lubango.

Chegada ao Tchindjenje


Durante a semana fico a morar numa aldeiazinha chamada Tchindjenje (Coordenadas? 12º47’ de latitude Sul e 14º56’ de longitude Este, 1350 metros de altitude relativamente ao nível médio das águas do mar medido no marégrafo e Luanda!), perdida no meio do mundo, a 100 km do Huambo na estrada para Benguela.

Estes 100 km demoram cerca de 3 horas a fazer, 50 km em asfalto esburacado e 50 km de picada, supostamente minada, mas onde passam centenas de camiões todos os dias! O troço do Tchindjenje à Babaera é o pior troço da estrada Huambo-Benguela, demora-se hora e meia agora na altura do cacimbo. Na altura das chuvas só passam camiões militares

Tchindjeje não tem nada para além de 200 casas antigas e bastante degradadas pelo tempo e pela guerra e algumas casinhas de adobe e telhado de colmo à volta. Em Tchindjenje não há telefone, nem rede de telemóvel, nem chega lá o correio. Ainda há sítios assim no mundo!

Comunicação (o quanto custa fazer este pequeno diário)

No Huambo há 1 cybercafé com 3 computadores, o que implica grandes bichas e limitação de uso a ½ hora por utilizador. Como eu moro no tal Tchindjenje e só vou ao Huambo ao fim de semana e como no fds a SISTEC só abre ao sábado e graças às desmotivadoras bichas, às vezes fico semanas sem ir ver como está o mundo.

Porque é que vim?

Depois da vida rotineira e com tudo a que tinha direito (gajo, emprego bom, grupo de amigos de longa data), tudo ficou diferente de repente. Tinha que fazer aquilo que nunca tinha feito, as grandes aventuras que esperava ter na vida “para contar aos netos”. E, mais importante de tudo, fui para começar a conhecer o mundo. Para poder um dia escrever as minhas impressões de cada lugar que visitei, não chega ser turista e ficar em bons hotéis, dentro de uma redoma, como eu costumo dizer, mas viver no sítio, se possível perto de como as pessoas vivem. E não acredito em jornalistas nem em reportagens do national geographic!

Como fui parar a Angola pela 2ª vez

Depois de 6 meses numa empresa (portuguesa a trabalhar em Angola) miserável que me fez todos, um por um, dos meus cabelos brancos, vim-me embora orgulhosamente, recusando uma boa posição de directora de área. Talvez 1 mês antes vi o seguinte anúncio:

A CIC-Portugal – Associação para a Cooperação, Intercâmbio e Cultura, ONGD Portuguesa, pretende recrutar para um Projecto de Reabilitação de Sistema de Abastecimento Água, a decorrer na Província do Huambo – Angola, um coordenador de projecto com o seguinte perfil:Requisitos:- Licenciatura ou Engenharia Civil ou Engenharia de Recursos Hídricos.- Especialização e/ ou experiência em Hidráulica- Experiência de trabalho em países em desenvolvimento, preferencialmente em Angola.- Experiência de formação profissional. Principais funções:- Coordenação de todas as actividades do Projecto- Responsável pela reabilitação de toda a rede de abastecimento de água potável ao Município.- Organização e formação dos serviços comunitários da Administração Municipal.- Formação e capacitação dos recursos humanos da Administração Municipal para a manutenção destas estruturas e sua rentabilização. Condições:- Contrato de Missão Humanitária por um período de 4 meses (Julho a Outubro de 2004);- Remuneração compatível com o grau de exigência do projecto;- Viagem Lisboa-Luanda-Lisboa;- Seguro de acidentes pessoais;- Alojamento e transportes locais.
Era a minha cara! Concorri, fui a uma entrevista que me correu lindamente e que acabou em “Quando é que pode vir cá trazer o passaporte para tratar do visto?”

Não passaram 2 semanas e já estava de novo em Angola, depois de 2 dias inteirinhos na embaixada de Angola em Portugal. Tinha consciência que ia ser difícil ir para o Huambo, ainda mais para um município perdido. Mas fui na mesma!